A P.D. Hook, um incubatório que abastece um terço das galinhas vendidas no Reino Unido, deveria estar em crescimento com a economia de volta aos trilhos. Mas a empresa carece de cerca de 40 trabalhadores agrícolas, o dobro do número usual de vagas.
Ao mesmo tempo, há um grande déficit de caminhoneiros, dificultando o transporte de aves da granja até os frigoríficos onde são abatidas, cortadas e embaladas. E quando as galinhas chegam, há falta de pessoal nas plantas de processamento também.
“Tudo acontece em um momento em que todos querem mais de tudo”, disse Hook, o diretor-gerente da empresa. “É uma tempestade perfeita”.
Os problemas não são exclusivos da P.D. Hook, seu setor ou do Reino Unido. Em todo o mundo, companhias aéreas, restaurantes e hotéis não conseguem preencher vagas em aberto, impedindo esforços para capitalizar com a demanda da volta dos consumidores. Muitos trabalhadores que voltaram para casa quando no início e no auge da pandemia não voltaram aos estaleiros, fábricas ou canteiros de obras, atingindo a produção e paralisando projetos. Até restaurantes com estrelas Michelin e bancos de Wall Street dizem que não conseguem contratar pessoas suficientes para atender às suas necessidades.
Nos Estados Unidos, os congressistas republicanos culpam o aumento dos benefícios de desemprego como um dos motores do problema, enquanto os economistas de esquerda propõem uma solução simples: pagar salários mais altos. No Reino Unido, grupos de lobby estão pedindo ao governo do primeiro-ministro Boris Johnson para revisar as regras de imigração pós-Brexit para que os europeus possam preencher as vagas. Já os líderes de Singapura e da Austrália se sentem sob pressão para relaxar as restrições de viagens para que os trabalhadores migrantes possam retornar.
O que está cada vez mais claro é que, depois que a pandemia do coronavírus causou um choque sem precedentes na economia global, deixando dezenas de milhões de pessoas sem trabalho e deslocando muitas outras, o mercado de trabalho nunca mais será o mesmo. Trabalhadores preparados estão presos nos lugares errados. Outros se aposentaram precocemente, são céticos quanto a voltar ao trabalho diante de problemas de saúde persistentes ou estão tendo dificuldade em obter cuidados confiáveis para os filhos.
A economia que está saindo da crise também parece diferente da que a precedeu. A demanda é maior em alguns setores e menor em outros. Os trabalhadores deixaram os empregos da linha de frente em alguns setores por funções menos expostas ao coronavírus, que não serão afetadas por novos lockdowns ou oferecem melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
Nos Estados Unidos, um recorde de 4 milhões de pessoas deixaram seus empregos em abril, incluindo 649 mil trabalhadores do varejo. Uma pesquisa recente da EY com mais de 16.200 funcionários em todo o mundo descobriu que mais da metade consideraria abandonar o emprego após a pandemia se não fosse oferecida flexibilidade suficiente sobre onde e quando trabalham.
“É um momento de fluxo”, afirmou Erica Groshen, que atuou como comissária do Bureau of Labor Statistics dos EUA de 2013 a 2017. “Não é uma questão de escassez geral de mão de obra, mas sim um tempo de mudanças estruturais [para a economia]”.
“Os desafios são enormes”
Em todo o mundo, as empresas estão citando uma preocupação semelhante: elas precisam de trabalhadores. Precisam deles rapidamente. E nem sempre conseguem encontrá-los.
Os Estados Unidos relataram a abertura de 9,3 milhões de vagas em abril. O Reino Unido viu as ofertas de emprego anunciadas subirem 45% entre o final de março e meados de junho, de acordo com Adzuna, um mecanismo de busca de empregos. O grupo de pesquisa IHS Markit relata que as empresas em toda a União Europeia estão sofrendo com a falta de pessoal à medida que a atividade empresarial cresce no ritmo mais rápido em 15 anos.
“Definitivamente, há uma escassez de candidatos a emprego”, disse Andrew Hunter, cofundador da Adzuna. “Há todas essas vagas no mercado, mas ninguém se candidata para elas”.
O problema é particularmente agudo na indústria de hospitalidade. Jack Kennedy, economista do Reino Unido no site de empregos Indeed, disse que as ofertas de empregos em preparação de alimentos e serviços dispararam 507% entre o final de fevereiro e o início de junho, e que “a disponibilidade de candidatos não acompanhou” o aumento
A Darden Restaurants, proprietária da rede Olive Garden, a Chipotle e o McDonald’s estão aumentando os salários na tentativa de atrair novos funcionários. A empresária Laura Harper-Hinton está tentando uma abordagem diferente para preencher 150 vagas. Sua rede de restaurantes em Londres, chamada Caravan, começou a oferecer bônus por indicação aos clientes.
“Os desafios são enormes”, disse Harper-Hinton.
Não se trata apenas de restaurantes e cafés. O Reino Unido, por exemplo, também precisa de dezenas de milhares de motoristas de caminhão, bem como açougueiros em frigoríficos e trabalhadores em canteiros de obras.
Iain McIlwee, chefe do grupo comercial que representa as empresas britânicas envolvidas na instalação de tetos, paredes e revestimento, disse que mais de 60% dos membros estão preocupados com a falta de pessoal durante a agitada temporada de verão.
Onde estão os trabalhadores?
Há muitos motivos pelos quais as empresas não conseguem encontrar trabalhadores suficientes para preencher vagas em aberto. Mas um elemento é bastante simples: a incompatibilidade geográfica.
A pandemia desencadeou um movimento de massa de pessoas deixando cidades conforme os empregos eram cortados e as vantagens da vida urbana evaporavam. Nem todo mundo voltou. Muitos estudantes que normalmente seriam contratados no setor de hospitalidade em cidades como Nova York ou Londres ainda em casa, enquanto outros deixaram permanentemente os centros urbanos.
O ritmo irregular de redução das restrições ao coronavírus encorajou alguns trabalhadores a se mudarem para novos endereços. Sandra Warden, diretora-gerente da Dehoga, que representa o setor de hospitalidade da Alemanha, disse que a indústria perdeu trabalhadores para a Áustria ou a Suíça, onde os restaurantes reabriram muito antes.
Limites rígidos ao movimento internacional também prejudicam locais como Singapura, onde os trabalhadores migrantes representam cerca de 38% da força de trabalho, de acordo com Nilim Baruah, um especialista em migração com foco no sudeste asiático na Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No mês passado, o Ministério de Recursos Humanos de Singapura reconheceu que a cidade-estado “não foi capaz de substituir adequadamente aqueles que deixaram Singapura” por causa dos controles de fronteira com o objetivo de impedir a disseminação da Covid-19. As entradas de pessoas vindas do sul da Ásia foram totalmente interrompidas em maio.
A Sembcorp Marine, uma empresa com sede em Singapura que opera estaleiros, disse no início deste mês que está procurando novas estratégias de recrutamento. Ele disse que controles mais rígidos nas fronteiras “impactaram a execução e a conclusão programada” de alguns projetos.
“Os empregadores têm contratado trabalhadores anualmente”, explicou Baruah. “A implantação não foi possível por causa de restrições de movimento”.
As empresas australianas também estão reclamando de escassez, em parte causada pelos rígidos controles de fronteira. O Australian Bureau of Statistics disse na semana passada que 27% das empresas do país “estão tendo dificuldade em encontrar funcionários adequados”. De acordo com sua pesquisa, 74% citam a falta de candidatos, enquanto 32% culpam para o fechamento de fronteiras.
Parte da tensão pode ser temporária. Os trabalhadores migrantes que enfrentam oportunidades limitadas de emprego em casa devem retornar a ímãs de trabalho como Singapura à medida que as taxas de vacinação aumentam e as restrições eventualmente diminuem. O mesmo se aplica a trabalhadores qualificados, que podem adiar mudanças.
No entanto, em alguns lugares as deficiências de trabalhadores podem ser mais complicadas. No final de 2019, havia pelo menos 2,3 milhões de cidadãos da UE trabalhando no Reino Unido, de acordo com estimativas do Office for National Statistics. Mas, com a chegada da pandemia, muitos voltaram para casa – e, desde então, o governo do Reino Unido introduziu novas regras de visto que tornam mais difícil para esses trabalhadores entrar no país. Além disso, dados recentes indicam o número real de cidadãos da UE que trabalham na Grã-Bretanha pode ter sido muito maior.
“Desde o Brexit, muitas pessoas voltaram para seus países de origem e não estamos recebendo as novas pessoas de volta”, disse Hook, que dirige o negócio de granjas. Ele disse que a produção da P.D. Hook foi cortada em 10% para ajudar os frigoríficos a lidar com a situação.
Os trabalhadores recrutados mais perto de casa poderiam teoricamente preencher algumas das vagas vazias. Mas a capacitação não acontecerá da noite para o dia, especialmente depois que o aprendizado prático e presencial foi interrompido pela Covid-19. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou em um relatório recente que as oportunidades de treinamento no local de trabalho nos países membros diminuíram em média 18% “durante paralisações generalizadas”. A Road Haulage Association do Reino Unido, que afirma que o setor de transporte rodoviário perdeu 15 mil motoristas europeus desde janeiro, teve que cancelar 30 mil exames de condutores no ano passado devido ao distanciamento social.
Grandes mudanças em andamento
Os efeitos do deslocamento devem desaparecer com o tempo, assim como outros fatores que contribuem para a escassez de trabalhadores, incluindo benefícios da era pandêmica que podem estar mantendo a subsistência de alguns, dificuldades para encontrar creches e preocupações sobre a exposição de familiares vulneráveis à Covid-19.
Mas a pandemia gerou mudanças maiores no mercado de trabalho, com mais pessoas reconsiderando os tipos de empregos que desejam manter – e em que condições. Isso está provocando uma realocação de trabalhadores em setores que podem ter consequências de longo prazo.
De acordo com Warden, da Dehoga, muitos funcionários do setor de hospitalidade na Alemanha mudaram para empregadores com menos probabilidade de fechar no futuro, como supermercados e lojas como Aldi e Lidl. Outros aceitaram empregos em centros de atendimento de entregas, que precisavam de mais funcionários graças à explosão das compras online.
“Sabemos por nossos membros e pelos funcionários que muitos deles estão esperando para voltar [ao trabalho], que ficarão felizes em trabalhar novamente em restaurantes e hotéis, mas também achamos que há funcionários que não vão voltar”, contou Warden. “Eles encontraram outros empregos”.
Uma pesquisa de janeiro com mais de 31 mil trabalhadores globais encomendada pela Microsoft descobriu que mais de 40% estavam pensando em deixar seu empregador este ano. Há também mais gente empreendendo. Nos Estados Unidos, 2,5 milhões de pedidos de abertura de novas empresas foram feitos em 2021 até o mês de maio. O mais importante, para muitas pessoas, são as condições de trabalho.
“Junto com o dinheiro está a situação de trabalho e sua dinâmica”, disse Allison Hemming, CEO da empresa de recrutamento The Hired Guns, com sede em Nova York. “Qual é a estratégia de retorno ao trabalho das empresas?”
Algumas pessoas que saíram ou foram forçadas a sair do mercado de trabalho quando ocorreram os lockdowns de coronavírus podem nunca mais voltar. Estima-se que 1,1 milhão de trabalhadores mais velhos deixaram a força de trabalho dos EUA entre agosto de 2020 e janeiro de 2021, de acordo com o Centro Schwartz de Análise de Política Econômica da New School.
Mesmo antes da pandemia, economistas e legisladores estavam preocupados com as mudanças demográficas nas próximas décadas, observando que não haveria trabalhadores mais jovens o suficiente para substituir os aposentados mais velhos. No mês passado, a China disse que vai permitir que casais tenham até três filhos, uma tentativa de lidar com a queda nas taxas de natalidade que podem prejudicar seu rápido crescimento econômico.
Em um relatório no início deste mês, o Center for Global Development disse que haverá 95 milhões de pessoas em idade produtiva a menos na Europa em 2050 do que em 2015, e que nem a automação nem o aumento da participação de mulheres ou trabalhadores mais velhos na força de trabalho fecharão essa lacuna. Em vez disso, a região deve se concentrar em impulsionar a imigração, potencialmente da África.
Chave para a recuperação
A velocidade do retorno da força de trabalho e dos empregos que serão escolhidos determinarão o resultado da recuperação mais ampla.
É que a falta de funcionários pode levar a um forte aumento nos salários, que foi um golpe em 2020. A Organização Humanitária para Economia da Migração, um grupo de advocacy em Singapura, disse que os trabalhadores migrantes geralmente não recebem salários mais altos e trabalham de 14 a 16 horas por dia para concluir tarefas com menos pessoas. Em países como os Estados Unidos, entretanto, a demanda por trabalhadores está dando a alguns funcionários uma vantagem, permitindo-lhes negociar por melhores salários, benefícios e condições.
“É um mercado de procura de emprego”, disse Joe Doiron, diretor de desenvolvimento de força de trabalho do Office of Workforce Opportunity de New Hampshire. “Existem incentivos que as empresas privadas estão oferecendo para sign-on bonus [também chamado de hiring bonus, que consiste no pagamento de uma quantia antes de o funcionário aceitar a vaga] e prêmios por indicação. Eles estão oferecendo horários flexíveis”.
Mas o crescimento dos salários também é um componente fundamental da inflação, que está sendo monitorada de perto pelos bancos centrais em todo o mundo. Se os preços aumentarem muito rapidamente, legisladores se sentirão compelidos a retirar o apoio da era da crise à economia mais cedo do que o esperado.
“Se essa escassez de mão-de-obra persistir por um longo tempo ou se espalhar pela economia, seria de se esperar uma aceleração do crescimento dos salários, o que faria com que a inflação aumentasse”, explicou Paul Dales, economista-chefe da Capital Economics para o Reino Unido.
Isso poderia forçar o Banco da Inglaterra – junto com seus pares no Federal Reserve dos EUA, no Banco Central Europeu e no Reserve Bank da Austrália – a aumentar as taxas de juros.
Alguns empregadores contam que estão aumentando os salários para preencher as vagas. Nick Allen, CEO da British Meat Processors Association, disse que as empresas de seu setor, o de processamento de carnes, estão pagando pelo menos 10% a mais. Kennedy, o economista do Reino Unido na Even, disse que os aumentos salariais no setor de preparação de alimentos têm sido mais modestos.
Os dados mais recentes sobre o crescimento dos salários parecem “geralmente moderados”, de acordo com uma análise da Capital Economics dos 19 países que usam o euro, o Reino Unido e os Estados Unidos. Mas o Goldman Sachs prevê que a pressão aumentará ligeiramente “no curto prazo”.
“Esse é um ponto absolutamente crucial e definirá de fato o desempenho da economia nos próximos dois a três anos”, concluiu Dales, da Capital Economics.