Na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana, marcada para amanhã e quarta-feira, o Banco Central deverá elevar a taxa básica da economia (Selic), dos atuais 3,5% para 4,25%, conforme as previsões do mercado e a própria sinalização do BC. Contudo, com a disparada recente do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subindo 0,83% em maio — a maior taxa para o mês em 25 anos — as previsões recentes admitem que a inflação oficial poderá fechar o ano perto de 7%. Analistas ouvidos pelo Correio apostam que o BC ficará mais rigoroso e não interromperá o ciclo de alta dos juros, iniciado em março, como vinha prometendo.
As previsões para a inflação de 2022 também estão sendo corrigidas para cima e ficam cada vez mais próximas do teto de 5% do ano que vem. Resta saber como a instituição monetária vai fazer esse comunicado para o mercado na semana que vem, pois o BC vinha insistindo na tese de que o choque de preços era temporário.
Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, aposta que os integrantes do Copom devem abandonar o discurso de inflação temporária e da estratégia de normalização parcial da taxa de juros, que vinha insistindo nas reuniões anteriores. “Mas eles não devem mudar o discurso de imediato. Pode ser que passem a reconhecer que a normalização parcial não é um compromisso”, aposta ela que, desde março, vinha apostando que a Selic encerrará o ano em 6,5%, no limite para a taxa de juros neutra prevista pelo mercado.
“A inflação está muito elevada devido à inércia, provocada enquanto o discurso for esse de que os choques nos preços são temporários. Cabe ao BC apresentar um cenário básico de que a política monetária continuará estimulativa. Mas o IPCA de maio mais forte é um número que poderá fazer com que o BC comece a mudar o discurso aos poucos, porque ele vai precisar se preocupar mais com a inflação do ano que vem. As estimativas já estão subindo e encostando no teto da meta”, acrescenta.
Pelas novas projeções do Credit Suisse, o IPCA deverá encerrar o 2021 em 6,3%, passando para 4,5%, em 2022, com o PIB crescendo 5,5%, neste ano, e depois desacelerando para 2,5% no ano que vem. “Parece que o BC está mais propenso em manter uma política estimulativa neste ano, mas, diante da alta da inflação, mantê-la será mais desafiador”, afirma Solange Srour. Segundo ela, os riscos da inflação em 2022 permanecem elevados em função da inércia e da provável alta dos preços de energia que deverão continuar lá em cima por conta da crise hídrica.
A analista ainda alerta para outros riscos que não podem ser ignorados, como uma terceira onda da pandemia. “O número diário de casos e internações manteve-se elevado no país, enquanto a mobilidade social segue uma tendência de alta que pode desencadear outra onda de infecções, como ocorreu no Chile, onde o percentual da população vacinada ainda não foi suficiente para aliviar a pandemia”, destaca. “Apesar de o risco de uma terceira onda de infecções ser elevado, acreditamos que seu impacto sobre a atividade econômica seria mínimo, e que o efeito mais negativo poderia cair nas contas públicas como resultado de maiores benefícios sociais e incentivos setoriais”, completa.
Futuro da meta
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e CEO sócio da gestora de recursos Mauá Capital, também reconhece que a inflação está incomodando mais do que o esperado e lembra que ela continua sendo mais pressionada por pressões vindas do exterior, via commodities e petróleo, “além do choque adicional da energia, resultado da maior seca desde 1980”. Para ele, a instituição monetária deu sinais de que está preocupada com os riscos de a inflação alta não ser temporária.
“O BC está elevando os juros em ritmo acelerado de 0,75 ponto para se aproximar da taxa de juros neutra e controlar esse cenário de inflação mais alta”, afirma. Pelas estimativas dele, o IPCA deverá encerrar o ano em 6%. “O Banco Central deverá continuar o aperto monetário, a dúvida é se ele vai de uma vez ou vai dar uma parada técnica, como vem sinalizando”, destaca Luiz Fernando Figueiredo, que prevê a Selic encerrando o ano entre 6% e 6,25%.
Na avaliação da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), para não ter que continuar elevando a Selic no ano que vem diante desse cenário de inflação cada vez mais elevada, o governo poderá partir para a mudança da meta de inflação de 2022 para evitar o risco de estourar o teto por dois anos consecutivos, algo que nunca ocorreu desde 2002 e 2003. “Acho que vai ser a forma de o governo evitar uma alta mais forte nos juros e buscar conviver com uma inflação mais alta e todos os seus riscos”, avalia.
A meta de inflação deste ano é de 3,75%, com teto de 5,25%. Mas esse objetivo vem seguindo uma curva descendente desde 2019, passando para 3,5% no ano de 2022, com teto de 5%. “Os choques de preços são mais permanentes e podem aumentar quando o setor de serviços começar a se recuperar devido aos repasses de custos que serão inevitáveis e deverá pressionar o IPCA, que, pela nova metodologia, é mais impactado por serviços prestados às famílias do que por alimentação”, afirma. “Essa inflação mais alta está contaminando o regime de metas e a ‘prova do pudim’ do governo será fazer a economia crescer e manter a inflação dentro da meta”, complementa a economista do Ibre.
Silvia Matos destaca ainda que o choque de inflação recente é preocupante, especialmente porque a alta dos preços dos itens não está relacionada diretamente com o setor de serviços. E, portanto, quando houver uma onda de reajustes desse setor — que ainda não recuperou o patamar pré-pandemia —, as pressões inflacionárias não devem arrefecer tão facilmente.
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), por sua vez, alerta para os riscos da atividade com juros mais elevados. “O crescimento econômico deste ano está contratado, o que é bom para o governo. Mas a inflação mais alta vai fazer o Banco Central aumentar a Selic, que pode chegar a 6% neste ano, e isso poderá criar um problema para o crescimento da economia no ano que vem”, afirma o ex-diretor do BC.
Questão fiscal preocupa
Um consenso entre os especialistas é de que o Brasil não pode se dar ao luxo de conviver com preços em forte alta, dado o histórico de hiperinflação da década de 1980 e o quadro fiscal ainda muito frágil. As contas do governo federal estão no vermelho desde 2014 e a dívida pública bruta do país é muito elevada se comparada com a média de países emergentes — de 60% do Produto Interno Bruto (PIB).
Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, avalia que, se tudo correr bem, “a sensação de crescimento com a reabertura da economia vai acontecer ao mesmo tempo em que a inflação vai estar em desaceleração”. “Basta ver se o governo vai saber capitalizar isso”, frisa. Ele, contudo, também demonstra preocupação com a questão fiscal, já que o presidente Jair Bolsonaro poderá gastar mais no ano que vem. “Tudo vai depender de onde ele vai gastar mais. Se for com obras, que é gasto discricionário, não tem problema ou mesmo com um Bolsa Família turbinado, porque é híbrido. O problema é se for com aumentos de salários que são gastos obrigatórios”.
Caso o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fique em 8,5% no acumulado em 12 meses até junho deste ano, como prevê o Credit Suisse, o limite para as despesas sujeitas ao teto gastos de 2022 terá um aumento de R$ 126 bilhões, passando dos atuais R$ 1,485 trilhão para R$ 1,611 trilhão.
Margem extra
No entanto, analistas lembram que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para os mais pobres e que corrige o salário mínimo pago pelas aposentadorias, poderá ficar em torno de 8%, bem acima das estimativas anteriores, de 5% a 5,5%. “Com isso, a margem extra para o governo poder gastar mais no ano que vem, devido ao teto de gastos maior, não será tão grande quanto se espera inicialmente”, alerta Silvia Matos, pesquisadora sênior e coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Na avaliação da economista do Ibre, a margem do governo para gastar mais com as despesas dentro do teto no ano que vem deverá ser menor do que os R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões que vinham sendo estimados inicialmente. Ela ainda demonstra preocupação com o fato de que há um afrouxamento nas preocupações do mercado e de parlamentares em relação aos riscos fiscais neste ano com a possibilidade de queda da dívida bruta para 85% do PIB. Além disso, alerta para os riscos de um espaço do teto para o governo poder gastar mais no ano que vem. “Os políticos vão querer fazer o governo gastar mais com a chance de o aumento do teto ser maior em pleno ano eleitoral. Mas o deficit continua elevado e parece que todo mundo esqueceu que as contas públicas estão no vermelho desde 2014 e que é preciso que o governo volte a fazer superavit primário”, afirma.