Não há no Brasil estatísticas que demonstrem a quantidade de acidentes de trânsito que são causados pelo uso de medicamentos pelos motoristas. Segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, o Brasil está entre maiores consumidores de remédios do mundo. Mas, além dos malefícios que o uso indiscriminado de medicamentos traz para a saúde, outro aspecto deve ser levado em consideração: um simples analgésico ou um antigripal pode prejudicar o desempenho do motorista na direção segura.
“Todo medicamento altera alguma coisa no organismo. Por isso, deve-se estar atento para o que é alterado mais frequentemente. Nos casos de remédios mais comuns, como analgésicos, antialérgicos e antigripais, se há chance de sonolência, isso deve ser avisado pelos médicos aos pacientes. A partir daí, o paciente deve ficar atento a como seu organismo irá reagir, pois nem sempre será proibido dirigir” explica David de Barros, médico do Instituto de Psiquiatria da USP e consultor do programa Bem Estar, da Rede Globo.
“O médico deve sempre alertar sobre as consequências mais prováveis ou mais perigosas de um medicamento que está prescrevendo. Claro que o paciente tem responsabilidade por seu próprio tratamento também, mas isso não exclui o papel do médico nas orientações”, destaca Barros.
Segundo Dirceu Rodrigues Alves Junior, diretor da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, o número excessivo de pacientes atendidos pelos médicos diariamente e o tempo reduzido das consultas acaba restringindo a quantidade de informações que são repassadas em uma primeira prescrição. “O médico acaba orientando o paciente somente quanto à posologia do medicamento, como ele deve ser usado e por quanto tempo. Informações como reações adversas ou esperadas e possíveis restrições passam sem ser pontuadas, restando ao paciente buscar a informação na bula mesmo”, lamenta Alves Junior.
Ainda que as bulas apresentem todas as informações, Alves Junior alerta para os remédios que não restringem especificamente a direção de veículos ou o uso de outros equipamentos, mas que, mesmo assim, podem alterar a rapidez do raciocínio em tempo de resposta, visão, audição e outros sentidos necessários para condução de um automóvel. “Muitas vezes uma simples dipirona em um organismo sensível a este componente pode causar problemas de concentração e moleza no corpo. É preciso que seja feito um acompanhamento muito próximo do médico e que o próprio paciente analise sua situação antes de pegar um carro e dirigir”, complementa.
Há cinco anos, a Abramet desenvolveu uma proposta de projeto de lei que obrigaria as indústrias farmacêuticas a inserir na caixa do medicamento o símbolo de proibido dirigir. Mas, de acordo com seu diretor, mesmo depois de aprovado, o projeto nunca saiu do papel.
Além da sinalização nos remédios, a Abramet defende um banco de dados nacional com informações atualizadas sobre as causas dos acidentes de trânsito que acontecem no Brasil. “Somente com dados consistentes é que poderemos desenvolver projetos mais focados na prevenção de acidentes de trânsito resultantes de uso de medicamentos. Temos estatísticas muito desatualizadas, um dos últimos dados é de 2005, em que verificamos mais de 35 mil mortes por acidentes de trânsito no país, os números atuais devem ser ainda maiores e destes não fazemos ideia de quantos são os causados por uso de remédios”, preocupa-se.
O atual Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não dispõe especificamente sobre a utilização de medicamentos relacionados à direção de veículos. Eles são enquadrados como substâncias psicoativas que causam dependência e, desta forma, proibidos assim como o álcool, o que dificulta a fiscalização. “O conceito que o CTB traz é absolutamente amplo e é necessário estabelecer quais são efetivamente as substâncias proibidas e qual a forma adequada de sua constatação quando houver uma abordagem policial dos condutores sob suspeita. Este aspecto precisa melhorar”, ressalta Julyver Modesto, comentarista sobre direito de trânsito no site CTB Digital. O artigo 165 do CTB, alterado em 2008, diz ser infração de trânsito a direção sob efeito das substâncias psicoativas. “Mas ainda é preciso que se estabeleça a forma de fiscalização e especialmente a constatação na abordagem policial”, diz Modesto.