O escritor francês Vitor Hugo, autor do livro Do Grotesco e do Sublime, teria que ressuscitar para inventar uma nova palavra que pudesse definir o que está acontecendo em Curitiba, pois do GROTESCO JÁ PASSAMOS.
Já olhava com olhos meio desconfiados para o apelido que deram à Praça da Espanha, que fica no bairro do Bigorrilho: Batel Soho. O mesmo com o Bigorrilho, apelidado de Champagnat, e com o Mossunguê, que para abrigar novos empreendimentos imobiliários e ter o valor do seu m² aumentado, recebeu o nome de Ecoville, palavra que se traduzida quer dizer Casavila, ou seja, nada, pois neste caso, vale apenas a sonoridade, o apelo de marketing, a grife.
Mas o assustador é que agora essa praga de buscar nomes “chiques” e diferenciados, que pareçam mais com marca de perfume ou de lingerie feminina, quer invadir outros bairros da cidade.
Pela proposta do caderno gastronômico de um jornal da cidade, a região de Cabral, Juvevê e trechos do Ahú, Bacacheri, Hugo Lange, Alto da Glória e Jardim Social, passam a ser chamados de CABRAL SOHO. Sim, parem de rir, mas é sério. CABRAL SOHO.
O Alto da XV seria transformado em JARDINS, o mesmo nome do bairro paulistano que fica nos arredores da Avenida Paulista.
O Centro Cívico vira Arte Cívico. Não consigo entender o motivo. O Batel se torna Batel Clássico – o Batel sempre foi clássico. Ou seria outro clássico? Atletiba?
O Centro passa a ser o Centro Cultural. Qual centro Cultural? O do Portão?
Segundo texto do próprio veículo, “a proposta é fruto de um estudo minucioso do consumo do local, feito pelo Bureau de Inteligência Corporativa Brain”.
PROVINCIANISMO CULTURAL E IRRESPONSABILIDADE
O assustador e mais do que grotesco aqui – além da ideia, de seu provincianismo e do total mau gosto, falta de criatividade e senso do ridículo na escolha dos nomes – é a irresponsabilidade, a sobreposição do interesse econômico sobre o interesse social, o desrespeito ao planejamento urbano e à Prefeitura.
Técnicos do IPPUC, da Secretaria de Urbanismo, a Prefeitura, a Câmara de Vereadores,a População, a História da Cidade, não precisam mais ser consultados. Basta a consultoria de um bureau de inteligência (???) para passar por cima de nossa identidade, de nossa cultura, de nossa história, do poder público e dar à cidade, seus bairros,seu futuro e seu planejamento urbano o nome que achar mais adequado para atender unicamente a interesses financeiros.
Bairros e seus nomes são formas de nos encontrarmos, de nos localizarmos na cidade.Eles revelam e contam nossa história.Preservam nossa identidade. Fico imaginando um turista chegando a Curitiba e pedindo para o taxista levá-lo a um bar nos Jardins. Em que lugar ele vai parar? E se os nomes pegam? Deus me Livre! Quanto a cidade teria que gastar? A prefeitura teria coragem de colocar em placas o nome CABRAL SOHO? Que vergonha se isso acontecesse. Para onde iria a fama do bom gosto e do espirito críticodos curitibanos se essa jacuzisse fosse impressa em placas?
Hoje, quando combinamos com amigos para decidir onde vamos sair, já falamos: “Vamos pra Itupava!” O nome já pegou. É o nome da rua. É palavra guarani. Significa pequena queda d água, corredeira.É uma referência ao Caminho do Itupava, o caminho que trouxe os primeiros desbravadores europeus para a região de Curitiba em 1648. Será que os marqueteiros que sugerem que a região seja chamada de Jardins sabem disso?
APELO AOS COMERCIANTES
Visto que se trata de uma ação comercial, o único jeito é pedirmos aos comerciantes e aos marqueteiros que repensem o assunto. Sigam os roteiros já definidos pela prefeitura que sabiamente está valorizando o nome das ruas e, assim facilitando a localização dos locais. Fazer com que um nome pegue – e ainda mais estes – é tarefa difícil.
Deixem que a cidade caminhe por suas próprias pernas, suas próprias ruas, sua própria vontade.
USEM, RESPEITEM E VALORIZEM
Os nomes que já existem. São a manifestação da nossa história, da nossa identidade, e é justamente isso, identidade, amor e respeito ao lugar em que se vive, que vai nos ajudar a vencer um dos maiores problemas na Curitiba de hoje: a falta de conhecimento e respeito com o lugar que vivemos, de onde decorre a pichação, a poluição dos rios, a destruição do espaço público. Quem conhece a história, não a picha. Quem ama um bairro, não o destrói.
Curitiba não quer e não pode deixar que seus bairros sejam transformados em ferramenta comercial.
Curitiba não quer deixar de ser Curitiba.
Pelo contrário. Para sobreviver, precisa ser cada vez mais CURITIBA.
E POR ISSO GRITAMOS SOHO NÃO!
Eduardo Fenianos, também conhecido como urbenauta, pesquisa a história de Curitiba e de seus bairros desde os 19 anos. É autor da Coleção Bairros de Curitiba. Entre 1997 e 1998, organizou uma expedição por Curitiba, em que navegou seus rios e conheceu todas as suas ruas, dormindo a cada dia na casa de seus moradores. Em 2012 a expedição se repetiu com a navegação dos rios da cidade. Possui 61 livros publicados, sendo 39 deles sobre Curitiba e seus bairros.
AFINAL, O QUE É SOHO?
O Soho é um distrito de Londres, na Inglaterra que ficou famoso nos anos de 1980 por suas sex shops e vida noturna e escritórios descolados. O mesmo nome surgiu em Manhattan, em Nova York, como um trocadilho ao Soho londrino e uma abreviação de South of Houston, já que a região está ao sul da rua Houston. No caso de Nova York, ficou famoso pela vida cultural agitada e pela reciclagem de uso de antigas fábricas que se tornaram estúdios de arte. Lê-se Sorro.