Os resultados da maior pesquisa mundial sobre os efeitos danosos do álcool, publicados há alguns dias, pelo prestigioso periódico científico Lancet, são claros: não há nível seguro para a utilização da substância. Nos últimos anos, repetidas evidências cientificas vêm mostrando que o álcool não deve ser tratado como uma droga branda, sem maiores riscos para os indivíduos e a sociedade, em relação à qual apenas um pouco de moderação no uso bastaria para sua ampla aceitação social. Quero aqui defender três argumentos que mostram porque é urgente a tomada de medidas firmes para o controle do álcool. E essas razões não passam por um moralismo antiquado ou um paternalismo autoritário: elas são a expressão das necessidades de uma sociedade moderna, que coloca a saúde pública, a segurança pública e a qualidade de vida de seus cidadãos como prioridades.
Em primeiro lugar, o álcool é uma droga perigosa porque lesa a sociedade por várias maneiras diferentes. Na população jovem, é a principal causa de morte precoce, em geral ligada à vulnerabilidade a doenças infeciosas, acidentes de carro e violência interpessoal. Se, hipoteticamente, toda a população mundial resolvesse parar de usar álcool, haveria 20% de redução das mortes e das condições de saúde incapacitantes. Acima de 50 anos, a hipotética supressão do álcool reduziria as mortes por câncer em mulheres em 25%! Esses dados alarmantes, no entanto, são insuficientes para convencer a população da necessidade de mudança de comportamento. Isso ocorre pelo segundo motivo que quero ressaltar.
A segunda razão para se combater o uso desregulado do álcool é sua invisibilidade. Como beber é uma prática cultural disseminada, há um nítido descompasso entre os danos que provoca na população e a percepção das pessoas destes danos, para si mesmas e para terceiros. É muito difícil para as pessoas reconhecerem que aquilo que estão acostumadas a fazer é muito mais nocivo do que lhes parece. Por isso, é fundamental que o assunto seja tratado não apenas do ponto de vista informativo, mas também propositivo. São necessárias medidas efetivas que, depois de discutidas com a população e pactuadas com todos, permitam de fato um controle do álcool. Foi assim, por exemplo, no caso do cigarro e hoje se vê como as medidas de restrição do fumo, muitas vezes combatidas no início de sua implantação, são quase um consenso na população.
Por fim, é importante ressaltar que o uso de álcool aumenta à medida que as sociedades enriquecem. O uso problemático do álcool é, de certo modo, um efeito colateral do avanço das sociedades contemporâneas. Pouco a pouco, o álcool vai se tornando um fator de risco fundamental para a carga de doenças nessas sociedades. No caso brasileiro, por exemplo, já é a terceira causa de anos de vida perdidos. Assim sendo, oferecer políticas de álcool adequadas é o caminho inevitável para um desenvolvimento social compatível com as aspirações de modernidade de uma sociedade. Não haverá uma sociedade justa e moderna que não tenha na política do álcool um dos seus pilares de sustentação. É urgente que o Brasil coloque em sua agenda uma ampla discussão sobre o uso controlado do álcool.
Guilherme Messas, psiquiatra especialista em Álcool e Drogas, é Professor e Coordenador do Programa de Duplo Diagnóstico em Álcool e Outras Drogas da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. É Coordenador da Câmara Temática Interdisciplinar sobre Drogas do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.