Por trás dos inúmeros programas, sistemas, aplicativos e outros artefatos computacionais que usamos no dia a dia está o trabalho das equipes de desenvolvimento de software na área da Computação. E um dos diferenciais da elaboração de softwares eficientes tem sido a integração da experiência do usuário na criação desses produtos. Para investigar como ocorre a comunicação sobre aspectos da experiência dos usuários entre os profissionais desses times de desenvolvedores de softwares, a professora Luciana Aparecida Martinez Zaina, do Departamento de Computação (DComp-So) do Campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), dedicou um ano de seus estudos na Inglaterra.
A docente focou sua investigação em times que trabalham com o método ágil, um processo interativo, no qual as tarefas são divididas em pequenos incrementos (por exemplo, novas funcionalidades e recursos), construídos em interações curtas. Esse método de desenvolvimento de software é amplamente adotado pelas indústrias e estimula a comunicação entre os membros da equipe, permitindo a elaboração de produtos de valor ao cliente, explica Zaina. “O objetivo da pesquisa foi entender como as equipes ágeis comunicam suas decisões sobre os aspectos de experiência do usuário (UX) em seu ambiente de trabalho e conseguem, a partir disso, entregar um produto de software que atenda às necessidades desse usuário”, detalha a docente.
Segundo a pesquisadora, embora os métodos ágeis estimulem a comunicação entre os membros do time, a conversa sobre UX ainda apresenta muitas deficiências. Ela conheceu o trabalho de cinco times; um deles fez parte de um estudo etnográfico, com observação direta da pesquisadora, para compreender o que, como e porque os profissionais usam determinadas formas de comunicação em seu local de trabalho. Durante três meses, ela fez observações in loco: “Cheguei a ir diariamente para observar a interação do grupo e participar de reuniões”, relembra.
Entre os produtos desenvolvidos pelos times pesquisados por Zaina, estão, por exemplo, plataformas de aprendizado a distância. “Eles trabalhavam com o Moodle [plataforma de ensino-aprendizagem a distância, que oferece vários recursos como salas de aula online e materiais de apoio] e expandiam esse sistema, com módulos muito sofisticados. Em termos de experiência do usuário, muitas pessoas estão envolvidas – professores, tutores, alunos -, além da preocupação com elementos como a acessibilidade. Então, é preciso que eles atendam às necessidades de tipos diferentes de usuários e tenham também visão de negócio, já que, no caso deles, os cursos oferecidos pelo Moodle são pagos”, diz Zaina.
Nesse contexto, a pesquisadora pode compreender como se dá o fluxo da comunicação, considerando esses aspectos de experiência do usuário, no ambiente de trabalho dos desenvolvedores. “Em relação à dinâmica dos times, tínhamos a expectativa de que eles contassem com profissionais de UX. Mas observamos que não havia um profissional específico e, mesmo assim, o projeto era desenvolvido”. Ela concluiu que, mesmo sem esse profissional, as informações sobre UX fluíam dentro do ambiente de trabalho e que havia essa preocupação sobre a experiência que o usuário teria com o produto. “A investigação permitiu verificar e entender como as informações acabam sendo distribuídas entre pessoas e os artefatos e como esse compartilhamento é importante para que processos possam ser aprimorados”, afirma ela.
De acordo com professora, um dos desafios do trabalho foi se deparar com novas possibilidades teóricas para a condução de seus estudos. “Quando cheguei à Inglaterra, entrei em contato com algumas teorias que podem apoiar esse tipo de investigação, e que eu não conhecia aqui no Brasil. Por exemplo, trabalhei com o framework denominado Distributed Cognition (Cognição Distribuída) para auxiliar na coleta e análise de dados. Esse método considera que o conhecimento não está apenas no cognitivo individual de uma pessoa. E que o processo de aquisição e propagação de informações ocorre por meio da interação entre três elementos: pessoas, ambiente e os artefatos criados e manipulados durante o trabalho colaborativo dos indivíduos”, descreve. Segundo ela, essa abordagem já era aplicada em outras áreas como Sociologia (área de origem do framework) e na Saúde. “A palavra que resume o uso daDistributed Cognition em todas essas áreas é a ‘interação’. Porém, temos diferentes aplicações, diferentes olhares: usamos uma mesma teoria, mas a Sociologia tem a visão mais voltada ao ser humano e, na Computação, procuramos ver como facilitar a comunicação e melhorar os processos de desenvolvimento de software”, compara.
Um dos frutos da pesquisa foi a elaboração de um tutorial que será apresentado na IX Brazilian Conference on Software: Theory and Practice (CBSoft), em setembro, em São Carlos. “O tutorial apresentará como usar a Distributed Cognition enquanto uma metodologia que pode apoiar e dar orientação para observação de times de software. Esse resultado eu trago do trabalho que desenvolvi na Inglaterra diretamente para a comunidade científica brasileira”, comemora Zaina.
Referência na área
O trabalho como pesquisadora visitante foi realizado entre julho de 2017 a julho de 2018 e teve supervisão de Helen Claire Sharp, professora da The Open University, referência na área de Interação Humano-Computador e Engenharia de Software. O estudo “A comunicação sobre aspectos de UX em um time ágil” contou, durante esse período, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na modalidade de Bolsa de Pesquisa no Exterior, que é voltada a docentes e a pesquisadores de centros consolidados.
“Escolhi ir para The Open Universiy porque queria trabalhar com Helen Sharp, que é uma referência mundial na área que venho estudando e por ela atuar na intersecção das áreas de Engenharia de Software e UX”, relata Zaina, que tinha reuniões, pelo menos, quinzenalmente com Sharp e também encontros mensais em dois grupos de pesquisa: o Agile Research Network (ARN) e o Software Engineering and Design (SEAD). Além disso, durante o período que esteve na Inglaterra, pode participar de eventos científicos e fazer uma visita técnica a uma indústria de software em Londres, onde conheceu como era feito o trabalho sobre UX.
De volta ao Brasil, além de se dedicar à publicação dos resultados de sua pesquisa, Zaina também continuará a trabalhar em colaboração com o grupo da Inglaterra. “Foi um desejo da minha supervisora que eu continuasse a colaborar e formalizamos por mais um ano o meu vínculo com o grupo de pesquisa”. No Campus Sorocaba da UFSCar, Zaina é líder do Laboratório de Estudos em Redes, Inovação e Software (LERIS), cadastrado no Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq). O LERIS conta com um subgrupo – o UX LERIS (http://uxleris.sor.ufscar.br/uxleris) -, que foca especificamente em investigações sobre experiência do usuário em diferentes áreas. Para saber mais sobre o trabalho do grupo, acesse http://uxleris.sor.ufscar.br.