História, saúde e gastronomia envolvem o hábito ancestral de tomar chá

Duas estações de trabalho agrupam os utensílios de chá do casal Mariana Meira e Paulo Leite. Cerâmica, porcelana e outros materiais auxiliam na prática chamada gong fu. Essa é uma cerimônia oriental na forma de preparar e servir a bebida em seu estado mais puro. Silêncio e foco na respiração ajudam a habilitar o corpo para as pequenas degustações. Em cada gole, a prova de que esta é uma arte bem mais complexa e sensorial do que se imagina. Não à toa, a Organização Mundial da Saúde (ONU) estabeleceu o 21 de maio como Dia Internacional do Chá por ele ser elemento de cultura e saúde.

No ritual acima, vivenciado pela reportagem, o casal à frente da mar­ca pernambucana O Chá da Ca­­sa passou a estudar o assunto em 2013, ao perceber que fora do Brasil há uma diversidade enorme à disposição do mercado. “A gente busca desconstruir o tema, tratando o bem-estar e sua  origem tão relacionada à cura”, explica Mariana, que compara esse campo de pesquisa com o vinho e suas variantes. A foto da capa foi feita no Stúdio de Danças com Paulo e Mariana.

O percurso para o entendimento começa com a história. Segundo o professor de Gastronomia do Senac-PE, Robson Lustosa, esse é um produto ancestral, que remonta à Antiguidade com vários mitos em volta. “Tem sua origem associada a Shen Nung, considerado Deus da Medicina e da Agricultura, que elaborara diferentes infusões em seu estômago cristalino e assim divulgara as propriedades curativas das plantas. Daí em diante, surgiria uma figura mais humanizada chamada Lu Yu, que teria compilado todas essas informações em um manuscrito chamado Cha Jing, onde se fazia a primeira menção ao chá”, explica.Assim, viria a descoberta e cultivo da “Camellia Sinensis”, planta cujas folhas são empregadas para o preparo da bebida. Logo, só ela e suas variantes são consideradas chá! “Os blends que temos na atualidade, que misturam as folhas da Camélia com flores, nozes ou frutas desidratadas, também podem ser chamados de chá, uma vez que a folha originária está em sua composição”, destaca o professor, que também defende um conhecimento culinário crescente sobre harmonização, uma vez que algumas notas podem despertar suavidade ou adstringência.

Com a técnica da infusão

Quimicamente, infusão é a bebida que resulta da imersão de ingredientes em água quente. Dessa forma, segundo Paulo Leite, nem toda infusão é de chá. Mas, culturalmente, esse tipo de preparo ganhou a nomenclatura generalista. “Por ser algo tão antigo, acabo não dizendo que está errado, mas sempre buscamos orientar”, diz. A sua marca, aliás, importa espécies de várias partes do mundo, para criar receitas autorais, já que o cultivo nacional ainda é restrito.

Ainda assim, a demanda brasileira só faz aumentar. Estimativas apontadas por um estudo do Sebrae mostram que até 2023 o setor deve crescer 43%, levando em consideração o interesse por produtos saudáveis. Para Adriana Gueiros, da loja Tea Shop no Recife, o consumo é crescente e aponta uma mudança de comportamento. “No início era muito comum os clientes buscarem os chás apenas como um medicamento, e hoje, além dos benefícios à saúde, buscam também aromas, sabores e elementos que tornem a experiência mais prazerosa”, ressalta. Na loja do Shopping Recife ela oferece cinco bases elaboradas com Camellia Sinensis, sendo branco, verde, pu erh, oolong e preto. Isso sem falar nos Rooibos, que é um arbusto sul africano, e as infusões mais tradicionais como camomila, valeriana, hibisco, canela e menta.

Tem poder medicinal

No século 17, os ingleses já consumiam a bebida com certa frequência, até então restrita aos hábitos das classes mais altas. O famoso chá das cinco foi um hábito muito bem incorporado de Portugal, ao ser praticado pela Corte numa espécie de lanche entre o almoço e jantar. Nesse momento, a leveza da bebida cabia perfeitamente ao momento.

De fato, a Camellia Sinensis tem propriedades que agem no Sistema Nervoso Central, podendo relaxar ou estimular. “O chá branco, com brotos da Camellia, exemplo, atua para uma mente mais atenta, porém tranquila”, defende Mariana. De um modo geral, a planta tem flavonoides que auxiliam na absorção de vitamina C, atuando como anti-inflamatório, antialérgico, anti-hemorrágico e antioxidante.

Por outro lado, a infusão de ervas comuns ajuda a popularizar o conceito medicinal. Segundo a terapeuta holística, Jamille Coelho, a erva-doce, por exemplo, facilita no trânsito intestinal, ainda trazendo calma e otimismo. “E se for consumir à noite, ela ajuda no processo do sono”, completa. Já o capim-santo, tão conhecido no Nordeste, não tem contraindicação, ajuda a baixar a pressão sanguínea. “Ajuda a afastar os pensamentos de preocupação,por também acalma, além de trazer clareza e lucidez”, conclui.