Tecnologia 100% mineira, originária de conhecimento produzido nos laboratórios da Universidade Federal de Viçosa, (UFV), na Zona da Mata, está ganhando o mundo por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No centro da parceria figura um sistema de produção sustentável de carvão vegetal que se espalha pelo Brasil e diversos países para fomentar de maneira ambientalmente correta um dos setores-chave da economia: a siderurgia.
O sistema de fornos-fornalha, criado por pesquisadores da UFV em atendimento a demandas do setor privado, foi lançado há 13 anos e está em sua oitava geração. Ele conta ainda com a parceria das universidades Federal de Minas Gerais (UFMG), no câmpus Montes Claros, no Norte do estado, e Federal de São João Del-Rei (UFSJ), no câmpus Sete Lagoas, Região Central de Minas.
O contexto não poderia ser mais favorável: Minas Gerais é o estado que mais produz carvão vegetal para atender a indústria siderúrgica. São 6 milhões de toneladas por ano, sendo 74% para produção de ferro-gusa – a matéria-prima do aço –, cerca de 12% para o setor de ferro, liga e silício metálico e outros 12% para o carvão, direcionado à cocção de alimentos, popularmente conhecido como carvão para churrasco.
Apesar do volume dedicado ao ferro-gusa, a professora Angélica de Cássia Oliveira Carneiro, do Departamento de Engenharia Florestal da UFV, explica que apenas 20% dessa matéria usada para o abastecimento do aço brasileiro tem como origem o carvão vegetal. “Esse produto para atendimento à siderúrgica vem todo de fora, importamos a matéria-prima. Se conseguimos produzir, mantemos as divisas dentro do país, melhoramos os níveis de emprego e muitas outras vantagens, além de termos algo mais sustentável, pois vem de fonte renovável. Mais de 90% do carvão vêm de floretas plantadas”, afirma.
Cássia, idealizadora do projeto, lembra a demanda de pesquisas de melhoramento genético na produção de carvão vegetal para reduzir a pressão sobre áreas de florestas nativas, e por tecnologias para melhorar a eficiência do processo e torná-lo mais limpo. Em 2008, procurado por empresas, o Departamento de Engenharia Florestal tinha como missão desenvolver um sistema mais sustentável, mas se viu diante de outro problema.
“Apenas 30% a 35% da madeira se transformam em carvão e o restante vira gases lançados no meio ambiente. Podem ser usados para várias aplicações, como aromatizantes de carne e herbicida, mas o mercado não está estabelecido. Devido à dificuldade da venda de um novo produto surgiu nosso projeto. O que mais poderíamos fazer com esse gás que sai com o resíduo da produção do carvão?”, relembra a pesquisadora.
A partir daí, nasceu a ideia de construir uma fornalha. Nela, os gases são direcionados para a câmara de combustão, gerando energia térmica. A energia derivada da queima pode ser usada para vários fins, entre eles, secagem da madeira.
Do lado do Pnud, o objetivo era buscar alternativas para produção mais sustentável do aço, dentro do projeto Siderurgia Sustentavel, criado para incentivar a reducao das emissões de gases de efeito estufa na siderurgia brasileira. Na parceria, a UFV assinou acordo para transferência de conhecimento da universidade para pequenos e médios produtores de carvão vegetal, que representam mais de 60% da produção no Brasil e são os que menos recebem assistência técnica.
MULTIPLICADORES
Foram instaladas unidades demonstrativas em algumas regiões-polo para criação de multiplicadores da tecnologia mineira, ensinando produtores a construir e operar o sistema. Nos últimos cinco anos, cerca de 600 pessoas foram treinadas nas unidades de Lamim (Zona da Mata), João Pinheiro (Noroeste de Minas), da UFSJ, UFV e UFMG. No Brasil, há fornos-fornalha em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo.
No exterior, eles estão no Uruguai, Peru, Argentina e Nicarágua e em algumas regiões da África. Há demanda ainda nos Estados Unidos e na Índia. Um projeto com a França prevê a transferência de tecnologia a países da África. “Nosso trabalho permitiu que o conhecimento gerado dentro da universidade ganhasse espaço fora dos nossos quatro pilares, além de cumprir com o papel da extensão ao possibilitar que um projeto pudesse ser transferido à comunidade”, comemora Cássia.