Se você cantou “Jacqueline e Sandra / Mônica e Adriana”, você… (está ficando velho? Não)… Viveu o nascimento de uma modalidade que protagonizou um dos momentos mais emblemáticos do esporte brasileiro em Jogos Olímpicos. Há 25 anos, as duas duplas do vôlei de praia feminino do país conquistaram medalhas de ouro e prata em Atlanta 1996, em um pódio verde e amarelo nos Estados Unidos.
Em um descontraído bate-papo com o R7, Adriana Samuel, parceira de Mônica Rodrigues naquela Olimpíada, relembrou detalhes do 27 de julho que mudou a carreira das quatro jogadoras e, sem exageros, abriu caminho para outras atletas na modalidade que acabava de entrar para o programa olímpico. Não só pelo colorido especial na hora da conquista, mas aquela conquista ainda significa bastante para a memória do esporte.
Adriana, que quatro anos mais tarde ainda conquistaria o bronze em Sydney 2000, já ao lado de Sandra Pires, ainda curte bastante a medalha de prata. Se em um primeiro momento, veio uma ponta de decepção por saber que não estaria no lugar mais alto do pódio, as duplas rivais e amigas logo trataram de fazer o devido acolhimento. Aquelas eram medalhas para o Brasil, para as mulheres brasileiras, que pela primeira vez em cem anos de Jogos Olímpicos subiam ao pódio.
“Fui tendo a noção do feito histórico, da conquista que foi recheada de ineditismo — primeira vez da modalidade, primeira vez que uma mulher brasileira conquista uma medalha olímpica na história do nosso país, uma final entre duas duplas brasileiras, sermos medalha de prata e escutamos ainda assim o hino do nosso país — muito tempo depois e ainda vai caindo a ficha”, disse a ex-jogadora, hoje empresária e à frente do projeto Time Petrobras para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos.
Depois de tanto tempo, por mais que o debate possa afastar quem não queira olhar o mundo com os olhos de hoje, ficou a certeza de um feito histórico que transcendeu o esporte. Antes das duplas brasileiras no vôlei de praia, Aída dos Santos, quarto lugar no salto em altura de Tóquio 1964, havia conquistado a melhor posição da mulher brasileira. Mas ainda em Atlanta 1996, além do vôlei de praia, o vôlei de quadra (bronze) e o basquete feminino (prata) também conquistaram medalhas nos últimos dias da Olimpíada.
“Foi a mulher brasileira, de uma certa forma, se realizando através da nossa conquista. Isso foi inesquecível”, completou Adriana, que havia conquistado o título mundial da modalidade, em Haia, na Holanda, três anos antes daquela Olimpíada.
Além de Jacqueline e Sandra, Mônica e Adriana, as australianas Natalie Cook e Kerri Pottharst.
Assim como caratê, ciclismo BMX freestyle, escalada esportiva, skate e surfe, que estreiam em Tóquio 2020, o vôlei de praia também debutava no programa olímpico em Atlanta 1996. Assim como hoje, o olhar do COI (Comitê Olímpico Internacional) estava em modernizar a sua tradicional agenda de competições, agradar ao público espectador e ainda promover o lifestyle dos corpos saudáveis em harmonia com a natureza, em um ambiente de praia.
A certeza de sucesso daquele esporte puramente californiano, esquecido nos anos de 1940, estava em ótimas duplas que surgiam e o sucesso do circuito brasileiro, em plena areia de Copacabana. Junto disso, sim, os belos corpos das mulheres, com a parte de baixo do biquíni e um top esportivo. Enquanto isso, os homens sempre jogaram de shorts e camiseta regata e até um óculos de sol estiloso, que logo também ganharam as vitrines de moda.
Ao longo da década de 1990 inteira, imagens de jornais, revistas e de TV em closes, no mínimo, intimistas eram facilmente encontradas ainda que causasse desconforto em muita gente que assistisse à uma partida familiar e, sobretudo, nas jogadoras. Ali, afinal, estava um jogo competitivo, com mulheres que se dedicavam profissionalmente, e não apenas corpos sarados.
Adriana lembrou que, nesse mesmo pódio olímpico em Atlanta 1996, uma certa ordem foi baixada para as duplas permanecessem de biquíni após o jogo. Em todas as outras modalidades, o protocolo era ir para o vestiário, eventualmente tomar um banho rápido, colocar o agasalho da confederação e só aí se dirigir para a cerimônia. O mexicano Rubén Acosta era o presidente da FIVB (Federação Internacional de Vôlei) naquela época.
“Se você olhar para o pódio em Atlanta, a gente está de biquini, porque eu me lembro que o presidente da Federação Internacional de Vôlei meio que obrigou a gente a ir de biquini. Normalmente, se você vê o pódio olímpico, todo mundo vai de agasalho… Tanto é que em Sydney, quatro anos depois, a gente está de agasalho. E aí, me lembro que teve uma questão, sim. A gente foi botar a roupa e veio uma ordem de algum canto, falando que a gente iria de biquini”, disse Adriana que, de fato, ainda está suja de areia no pódio, ao lado das compatriotas.
Anos se passaram e hoje as coisas ainda estão mudando. Em Londres 2012, pela primeira vez, o biquíni deixou de ser um acessório obrigatório nos Jogos Olímpicos. Em muito para proteger o corpo da mulher, mas também porque o clima da capital inglesa não é dos melhores para ficar com as pernas de fora. Além disso, atletas muçulmanas também ganharam o direito de usar mais peças de roupa do que nos primeiros anos do esporte.
“Mas acho que isso não é só do vôlei. É da sociedade, é da cultura, é do machismo, é estrutural talvez”, disse a ex-jogadora.
Com tanta experiência na quadra e depois na areia, Adriana sabe bem como é a rotina de um atleta de alto rendimento. Assim que se aposentou do esporte, em 2001, não teve nem muito tempo para pensar e logo passou a cuidar da captação de patrocínio de outros grandes nomes do esporte brasileiro. Adriana Behar e Shelda, o irmão Tande ao lado do parceiro Giovane Gávio, Ricardo e Emanuel, todos da praia, foram nomes que ajudou com o seu olhar de empresária.
Atualmente, ela é responsável pela gestão do projeto Time Petrobras e trabalha desde a formação da equipe com um todo até a relação do atleta com a marca. Depois de um tempo desligado, o projeto voltou pra valer no Pan Toronto 2015, na Rio 2016 e continua em Tóquio 2020. Ao todo, hoje são 19 nomes sob um guarda-chuva que dá tranquilidade para que os atletas possam pensar apenas em suas atividades dentro das quadras, pistas, ringues, tatames ou nas águas.
“Todo esse modelo é construído. É uma trajetória de anos para trabalhar com os atletas hoje. “O fato de ter sido jogadora ajuda muito porque sei dizer que horas o atleta tem uma competição importante e que horas ele está livre para comparecer em um evento ou conceder uma entrevista. Por outro lado, também sei dizer para a marca que estamos às vésperas de uma competição importante. No fim, sou fã de todos os atletas que trabalho.”