O primeiro desafio de tecnologia a gente nunca esquece: o que um hackathon ensina às crianças

Ao estimular que os pequenos trabalhem em equipe criando soluções para problemas reais, um desafio de tecnologia ensina que não basta ser um consumidor passivo no mundo virtual, é preciso criar ferramentas a fim de tornar esse ambiente mais seguro.
 
Eles têm apenas 11 anos, mas já lançaram uma ideia campeã no mundo virtual: um jogo para smartphone chamado Game Antivírus Na Terra (GANT). A proposta foi apresentada por Cléber Moretti Jr e Luca Vicentini Lelis na tarde do último sábado, 29 de junho, para uma plateia de 200 pessoas que lotava o auditório Fernão Stella de Rodrigues Germano, no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.
Conforme os slides surgem no telão, os dois explicam o projeto: quando o game começar, aparecem propagandas saindo da parte inferior da tela do smartphone que sobem rapidamente para a parte superior da tela. O objetivo é levar o jogador a cortar os anúncios suspeitos e a clicar nos anúncios adequados. Toda vez que for cortada uma propaganda suspeita – tal como: ganhe 40 mil reais clicando nesse site e colocando suas informações –, o jogador ganha 10 pontos. Ao clicar nos anúncios bons, ganha-se uma estrela. “Ao mesmo tempo, o jogo age como um antivírus, ajudando nosso público-alvo a não colocar vírus no celular”, dizem os garotos.
Tal como Cléber e Luca, outras 92 crianças participaram dessa experiência de criar uma solução tecnológica para acabar com um problema que aflige quem navega no mundo virtual: as falsas propagandas. Assim como as já famosas fake news, essas falsas propagandas apresentam um risco real, especialmente para as crianças. Clicar em uma delas pode significar dar permissão para a entrada de um programa malicioso ou de um vírus no celular e, ainda, possibilitar o roubo dos dados pessoais do usuário. Como lidar com o desafio de proteger as crianças desse risco?
A pergunta foi lançada pelo youtuber Marco Túlio, conhecido como o Authentic Games, na abertura do Hackathon Authentic Games, um desafio de tecnologia para crianças de 7 a 12 anos que, em São Carlos, foi realizado em parceira pelo ICMC e pela Happy Code São Carlos. A competição estimulou os pequenos a criarem o projeto de um aplicativo, em grupos com 2 a 4 participantes, para resolver o problema. Eles só precisavam pensar na proposta do aplicativo, não era necessário desenvolver a parte técnica do projeto.

Logo após a abertura do evento, as crianças se dedicaram à criação das soluções durante toda a parte da manhã, enquanto os pais participaram de um tour pelo Instituto e também assistiram a três palestras: uma explicando as contribuições da USP e do ICMC em ensino, pesquisa e extensão, ministrada pelo professor Moacir Ponti, presidente da Comissão de Cultura e Extensão Universitária do Instituto; uma sobre as novas gerações e as habilidades do século 21, proferida por Natasha Corassini, diretora da Happy Code São Carlos; e outra sobre tecnologia e desenvolvimento infantil, apresentada pela psicóloga Angela de Lorena.

Meu mentor favorito – “Trabalhar com criança é muito gostoso, mesmo sendo cansativo. No fim do Hackathon, eu estava exausto, mas absolutamente feliz”, conta Reinaldo Mizutani, que estuda Sistemas de Informação no ICMC e foi um dos 19 mentores voluntários que ajudaram as crianças a desenvolverem os projetos durante o evento. Formado em Educação Física pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Reinaldo já trabalhou em colônias de férias e aproveitou todo esse conhecimento prévio: usou estratégias diferentes para lidar com os dois grupos de crianças dos quais foi mentor.
Logo que Reinaldo se reuniu com Cléber e Luca, percebeu que os dois poderiam trabalhar de forma independente, bastava dar orientações para a condução do processo, dizendo a eles quanto tempo tinham disponível para realizar cada etapa do desafio, que consistia basicamente em três fases: pensar nos conceitos do aplicativo ou do jogo a ser criado (AppThinking); construir o visual da solução, desenhando botões, telas, personagens e demais elementos (Storyboard); preparar os slides para apresentar a proposta ao público e aos jurados (Pitch). O computador era necessário apenas na última etapa, nas demais, o registro se fazia em papel. A questão é que havia apenas três horas para fazer tudo isso.
No começo do trabalho, Luca lançou a ideia: podíamos fazer um antivírus que é um jogo! Cléber gostou da proposta e começou a desenvolver o game. Enquanto isso, Reinaldo orientava a outra equipe, composta por três garotos, sendo que um deles tinha apenas 7 anos e o outro 8 e demandavam maior atenção e apoio. Na hora em que estavam no palco, a alegria do mentor e das três crianças contagiou a plateia: houve até uma dança para celebrar o encerramento da apresentação.
“Adaptar um evento infantil a um ambiente acadêmico-universitário é sempre desafiador. Esta foi a primeira vez que o Hackathon Authentic Games foi realizado em parceria com o ICMC e sabemos que a cada edição podemos aperfeiçoar o evento. Afinal, o que nos move é a busca pelo aprendizado e aperfeiçoamento”, ressalta o professor Fernando Osório, do ICMC, um dos coordenadores do Hackathon.
“Juntos – professores, funcionários e alunos da USP, mentores, parceiros, apoiadores, pais e crianças –, construíram um brilhante evento, em que se destacou a criatividade das crianças e a coragem dos pequenos em se apresentar perante um público de um auditório lotado”, completa Osório.
Das 29 equipes que se apresentaram no Hackathon, três foram premiadas. Cléber e Luca ficaram com o primeiro lugar e, junto com Reinaldo, estão gravando um vídeo de dois minutos resumindo a proposta que criaram. Agora, eles serão avaliados em âmbito nacional junto com outras equipes que venceram a competição em suas respectivas cidades. Se Cléber e Luca forem vencedores nessa última etapa, cada um deles ganhará um X Box Onee conhecerá pessoalmente o youtuber Marco Túlio. Como mentor do time, Reinaldo também está concorrendo a um prêmio em dinheiro de até R$ 3 mil.
No entanto, muito mais do que aprender a ganhar ou a perder uma competição, as 94 crianças que participaram do Hackathon no ICMC tiveram a oportunidade de praticar suas habilidades sociais. No palco, era visível quando essas habilidades entravam em cena: o destaque ficou para a empatia, evidente nos momentos em que as crianças se apoiavam umas às outras – ora segurando a mão do colega, ora ajudando o outro a ler o texto no telão, construindo uma soma de vozes como em um jogral nunca antes ensaiado.
Como na vida real, no palco, elas foram desafiadas a lidar com muitos imprevistos e a conter as frustrações quando as coisas não aconteceram como haviam planejado. Talvez, se os adultos pudessem observá-las com mais atenção, poderiam aprender valiosas lições sobre a arte de conviver em sociedade.