Em 10 anos, 6 mil carros foram abandonados nas ruas de Porto Alegre

Entre 2019 e 2021, das 2.551 ocorrências registradas pela EPTC, somente 123 resultam em recolhimento ao depósito

Estivesse bem conservado, aquele Ford Lincoln prata estacionado no bairro Vila Ipiranga, em Porto Alegre, circularia garboso pela cidade, atrairia olhares de curiosos e faria bonito em exposições de colecionadores de modelos antigos e clássicos. São mais de cinco metros de comprimento, rodas largas, bancos amplos e estofados, capota revestida em couro e câmbio no volante. Uma máquina imponente.

A realidade é que o Lincoln está em situação de abandono na Rua Cidade de Uberlândia, em frente a uma oficina mecânica, sem condições de trafegar. O capim cresceu onde o possante jaz, um vidro lateral está quebrado e o frontal, parcialmente destruído, com plásticos usados na vedação.

Um funcionário da oficina, que se identificou como João Magno, diz que o Lincoln pertence a um cliente e que está em andamento a busca por peças para o conserto, não encontradas até agora. O veículo se encontra estacionado pelo menos desde novembro de 2021 na via pública porque não há lugar dentro da mecânica.

Na última quarta-feira (11), a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) publicou notificação extrajudicial no Diário Oficial de Porto Alegre (Dopa) informando que um prazo final de 10 dias foi concedido para o proprietário remover o veículo. Se isso não ocorrer, como se trata da última etapa de aviso, o Lincoln estará apto a ser guinchado e recolhido a um depósito, onde ficará por 90 dias antes de ser levado a leilão.

Veículos em situação de descuido são denunciados às centenas à EPTC, órgão que lida com a situação por força legal. Entre 2012 e 2022, foram registrados 6 mil casos de autos abandonados em Porto Alegre. Houve um pico em 2019, quando ocorreram 1.064 ocorrências, mas os números apresentaram queda em 2020 (853) e em 2021 (634), o que, pelo menos em parte, é explicado pela pandemia de coronavírus.

O fato é que a grande maioria acaba resgatada pelos proprietários antes do guincho: somando os anos de 2019, 2020 e 2021, foram 2.551 ocorrências de carros abandonados, dos quais apenas 123 restaram recolhidos ao depósito pela EPTC.

De outro lado, o contingente de 2.159 veículos acabou retirado pelos donos antes da remoção forçada. A EPTC busca até o limite alguma forma de o bem ser resgatado porque, na prática, o guincho é um custo para a empresa pública.

— A prioridade é entregar o carro e o cidadão dar a finalidade que melhor entender. O nosso agente tem o hábito de procurar o proprietário, o vizinho, o comércio da região para tentar identificar o dono e resolver. O relato que temos é de que a informação acaba chegando ao responsável — diz Fábio Rodrigo Baum, coordenador de Inspeção Veicular da EPTC, setor designado para atuar nos casos de abandono em via pública.

A EPTC diz que um veículo largado dificulta serviços de manutenção e limpeza da cidade, facilita a proliferação de doenças e pode servir de abrigo para usuários de drogas. Também foram relatados pela empresa pública casos em que autos danificados viram abrigos para moradores de rua. Por fim, acabam ocupando vagas de estacionamento que poderiam ser usadas coletivamente.

Baum destaca que não basta o carro estar estacionado há algum tempo para a denúncia resultar em andamento processual. Existem outras condições para determinar o abandono. No último triênio, do total de ocorrências, houve 147 casos em que os agentes da EPTC avaliaram que não estava configurada a situação de desleixo.

— Na pandemia, houve denúncias de carros abandonados que estavam em bom estado, eram de pessoas que eventualmente tinham adoecido. O veículo precisa estar deteriorado, com pneu murcho, batido, sinaleiras quebradas ou abertos, o que leva ao uso para outras finalidades — diz Baum.

Uma característica dos carros nessa situação é serem deixados nos arredores de oficinas mecânicas por proprietários que não têm dinheiro para bancar o conserto.

Os números

2019

  • Recolhidos pela EPTC – 52
  • Não configuraram situação de abandono – 30
  • Recuperados ou retirados pelos proprietários – 982
  • Total de ocorrências – 1.064

2020

  • Recolhidos pela EPTC – 54
  • Não configuraram situação de abandono – 29
  • Recuperados ou retirados pelos proprietários – 770
  • Total de ocorrências – 853

2021

  • Recolhidos pela EPTC – 17
  • Não configuraram situação de abandono – 88
  • Recuperados ou retirados pelos proprietários – 407
  • Processos que seguem tramitando – 122
  • Total de ocorrências – 634

2022 (até 26 de abril)

  • Recolhidos pela EPTC – 5
  • Não configuraram situação de abandono – 12
  • Recuperados ou retirados pelos proprietários – 52
  • Processos que seguem tramitando – 75
  • Total de ocorrências – 144

Denúncias e prazos sobre veículos abandonados

  1. Um veículo é considerado abandonado quando estiver estacionado em local público por mais de 30 dias. É observado se ele está em mau estado de conservação, com sinais de colisão ou ferrugem na carroceria, se está sofrendo depreciação voluntária ou foi alvo de vandalismo.
  2. O prazo de 30 dias para configuração do abandono passa a contar a partir do momento em que uma denúncia chega à EPTC. Os comunicados podem ser feitos por qualquer cidadão e também por agentes da empresa pública. Alertas de veículos abandonados devem ser enviados pelos fones 118 e 156 ou por formulário padrão.
  3. Após a denúncia, abre-se a contagem dos 30 dias. A EPTC faz uma vistoria no veículo no local de possível abandono. Caso não tenha placa de identificação, a remoção pode ocorrer de forma imediata.
  4. Se tiver placa de identificação, o veículo será adesivado 30 dias após a denúncia. O adesivo contém orientações para que o proprietário corrija a situação. Uma fotografia do automóvel é enviada ao responsável pelo correio, junto de uma notificação solicitando providências. São feitas três tentativas de localizar o dono pelo correio, obtendo a assinatura dele na notificação. Executado o aviso pelo correio, abre-se prazo de 10 dias para uma solução.
  5. Caso a situação permaneça após a adesivagem e a tentativa de alerta pelo correio, a EPTC publica uma notificação extrajudicial por edital público no Dopa. No 11º dia depois da publicação do alerta, se inalterado o quadro de abandono, o automóvel estará apto ao recolhimento.
  6. Após a remoção por guincho, o veículo fica por 90 dias em um depósito. Nesse período, ele ainda pode ser resgatado pelo proprietário. Expirado o prazo, o bem é levado a leilão. Caso esteja em condição inservível, é encaminhado para reciclagem.
  7. As normas, previstas na lei municipal 10.837/2010 e na resolução 01/2013 da EPTC, se aplicam a veículos utilitários, vans, micro-ônibus, ônibus, caminhões, trailers, motocicletas e reboques.