Dez dos onze apartamentos do prédio giratório de Curitiba, edificação que ao mesmo tempo se tornou ícone da arquitetura e uma espécie de lenda urbana da capital, vão a leilão nesta sexta-feira (18). É a terceira vez que essas unidades do Edifício Suite Vollard, no bairro Mossunguê, serão oferecidas em hasta pública.
Os dez apartamentos somam diversas dívidas e pertencem à Construtora Moro, que construiu o prédio. Já o apartamento do 11º andar pertence a outro grupo empresarial e não vai a leilão, já que não possui dívidas.
No leilão anterior, em 2018, não houve lances na primeira rodada de negociação e a segunda foi suspensa após a Construtora Moro conseguir parcelar o pagamento de dívidas com a União, motivo pelo qual as unidades seriam leiloadas à época. Antes, em 2010, as unidades já haviam ido à leilão sem resultado.
O lance inicial de cada apartamento nesta sexta será de pouco mais de R$ 1,415 milhão. Se não forem vendidos na primeira rodada de negociação, o lance cai 60% na segunda, para R$ 849 mil. Mas isso não quer dizer necessariamente que o imóvel será adquirido mais barato. “Muitas pessoas deixam para fazer oferta na segunda rodada do leilão, quando a oferta inicial é mais baixa. Só que aí pode ter concorrência entre os interessados, o que pode deixar o preço do imóvel até mais alto do que na primeira rodada”, explica o leiloeiro Helcio Kronberg, que comandará as ofertas.
Pela procura de interessados, o leiloeiro acredita que dessa vez os apartamentos giratórios sejam de fato vendidos. “O leilão está tendo uma procura boa, principalmente de gente interessada em morar nos apartamentos. Além do preço razoável, a partir do momento em que o prédio é ocupado por moradores, passa a ter vida e se valoriza”, avalia Kronberg.
O prédio giratório nunca foi ocupado por moradores em quase 20 anos do lançamento. Acumulou dívidas de diversas origens ao longo dos anos, mas também virou um símbolo de projeto arrojado, chamando a atenção do setor imobiliário internacionalmente. Veja abaixo a situação do prédio giratório, as histórias que atraem a curiosidade não só de curitibanos, mas também de gente de fora.
Por que os apartamentos vão a leilão?
Dessa vez, o motivo do leilão determinado pela Justiça Estadual são dívidas de condomínio, que somam cerca de R$ 500 mil. Cada apartamento deve entre R$ 50 mil e R$ 60 mil de taxa condominial.
Apesar disso, o dinheiro do leilão dos apartamentos pode não ir para o pagamento do condomínio. Isso porque o proprietário dos prédios soma outras dívidas. E a lei define que determinadas dívidas devem ser pagas primeiro, como ações trabalhistas e IPTU. Portanto, se o valor dessas dívidas forem maiores do que o valor arrecadado no leilão, quem comprar os apartamentos pode ter que assumir a dívida do condomínio. “Quem for dar o lance no leilão tem que estar ciente de que pode assumir um valor a mais de R$ 50 mil a R$ 60 mil de dívida do condomínio na ação”, explica o leiloeiro Kronenberg.
As dez unidades do prédio giratório que vão a leilão também somam R$ 1 milhão de dívida com a prefeitura em IPTU atrasado. Também há outros credores com ações na Justiça. Mas nesses casos o débito não recaem sobre quem adquirir o imóvel. “Tirando a possibilidade do débito de condomínio, o morador não terá nenhum outro crédito a ser pago, podendo ocupar o imóvel de imediato”, reforça o leiloeiro.
Por que os apartamentos não foram vendidos em 18 anos?
Quando foi lançado em 2004, o que mais dificultou a venda dos apartamentos giratórios foi o valor muito alto pedido. Mesmo sem um produto inovador não só no Brasil, mas no mundo, o valor de R$ 2,3 milhões foi considerado alto e afastou compradores. O custo alto somado às sucessivas crises imobiliárias que vieram na sequência só pioraram a situação, fazendo com que o prédio fosse acumulando dívidas que dificultaram ainda mais as vendas.
Tanto que o valor da oferta inicial do leilão dessa sexta-feira é bem menor do que o pedido há 18 anos. Na cotação de aproximadamente R$ 3 de 2004, o valor pedido de R$ 2,3 milhões equivalia a perto de 766,6 mil dólares. Além de o valor pedido agora ser quase metade do de 2004, a cotação de hoje, de aproximadamente R$ 5,15, faz com que cada apartamento valha cerca de 274,7 mil dólares.
Projeto arrojado
Apesar de todos os imbróglios judiciais que atrapalharam a venda dos apartamentos, o Edifício Suite Vollard é um ícone da arquitetura curitibana, cujo nome é referência a uma série de gravuras do pintor espanhol Pablo Picasso. Tanto que chamou a atenção do mercado imobiliário internacional, com citações em reportagens de jornais como New York Times e The Economist, como o primeiro prédio giratório do mundo.
São 11 apartamentos de 120 metros quadrados no conceito loft, em que os ambientes são integrados. Os apartamentos já recebem sol em toda sua área a qualquer hora do dia porque têm forma circular cercada por janelas, o que permite vista de 360° de um dos pontos mais altos de Curtiba. Porém, o mecanismo giratório reforça ainda mais o aproveitamento da luminosidade, com possibilidade de rotação horária e anti-horária.
“A ideia não é ficar girando sem parar como muita gente pensa. Mas que cada morador tenha uma experiência única, podendo, por exemplo, aproveitar o belo pôr do sol sobre o Campo Comprido e amanhecer olhando para o Parque Barigui pela mesma janela”, explicou o arquiteto Bruno de Franco, responsável pelo projeto, em entrevista à Tribuna do Paraná em 2018.
Como o prédio gira?
Os apartamentos rodam a partir de motores na parte externa do edifício que giram rodas dentadas que fazem a tração do movimento. O mecanismo foi desenvolvido pelo arquiteto Bruno de Franco junto com o engenheiro mecânico Alan Holzmann.
O giro do apartamento é suave e lento, o que impede que móveis ou mesmo pessoas caiam. O movimento lento, aliás, gera menos atrito das peças, o que demanda pouca manutenção, segundo explicou o arquiteto à Tribuna em 2018.
Lenda urbana
Desde que foi lançado em 2004, o prédio curitibano chamou a atenção não só do setor imobiliário, mas da própria população. Antes de virar memes na internet nos últimos anos, o Suite Vollard gerou histórias nunca confirmadas de que famosos teriam se interessado em adquirir os apartamentos rotatórios. Entre os famosos nunca confirmados estaria Xuxa. Nos anos 2000, um boato se espalhou na cidade de que a apresentadora teria comprado um dos apartamentos do prédio giratório.
Mocó de luxo
Após tentativa frustrada de relançamento em 2008, o prédio giratório ficou abandonado por um período, quando virou alvo de vândalos. Reportagem da Gazeta do Povo de 2012 mostra que o edifício virou alvo de pichadores, que rabiscaram o prédio de cima a baixo em poucos dias.
O vandalismo no prédio giratório chegaram a ser postadas com destaque em grupos de pichadores no Facebook. As pichações levaram a Polícia Civil a investigar o caso. Na época, também foram atirados das janelas objetos de decoração da unidade que era usada como escritório da antiga administradora do imóvel.