Embalado pela Olimpíada, skate quer ser segundo esporte do Brasil

É como se uma vitória importante no domingo fosse o impulso necessário para novos praticantes na segunda-feira. Ao longo dos anos, o país já viu sucessivas ondas (pistas, ringues e quadras também) de modalidades que tentaram se estabelecer como o segundo esporte em praticantes e também no coração dos brasileiros. Embalado pelos resultados em Tóquio 2020, o skate agora quer conquistar este espaço sempre em aberto.

O futebol contabiliza mais de 30 milhões de praticantes no início deste século, conforme informou o Atlas do Esporte. O vôlei, com mais de 15 mihões, segue em segundo. Mas o skate já está superando e muito os quase 3 milhões de praticantes registrados há cerca de 20 anos. A conta que se tem no imaginário de muita gente, no entanto, é que é mais fácil encontrar um ou outro esporte sendo praticado nas ruas, escolas, em clubes e ginásios esportivos.

Muitas escolas, impulsionadas pelas manobras de Rayssa Leal (prata no street), Kelvin Hoefler (prata no street) e Pedro Barros (prata no park), começaram a incluir a prática nas aulas de Educação Física, conforme conta o professor Paulo Dagoberto Castro, formado pela OSEC/Unisa e professor de escolas como o Palmares, em São Paulo.

“Sempre que ocorrem esses eventos de repercussão, acontece sim a procura por esses esportes em clubes e nas próprias escolas. Algumas escolas estão colocando o skate certamente para atender a essa demanda, acredito que seja algo que não tenha volta”, afirmou o professor. “A grande diferença talvez esteja ligada a comitê olímpico trazer modalidades que tenham a ver com a juventude.”

Na Cavepool, um dos centros de referência no skate em São Paulo, na zona oeste, a procura de meninas por horários no espaço surpreendeu o administrador. Tanto que um período específico do domingo foi designado para as mulheres no local.

“As mulheres estão dominando a pista nos finais de semana. Elas ficam muito à vontade por aqui. Isso é ótimo para o esporte”, disse Leandro Miranda.

A última Olimpíada buscou dialogar com esse público, mostrando que o objetivo dos Jogos é refletir a sociedade de sua época.

Além do skate, caratê, beisebol-softbol, escalada esportiva e surfe foram incluídos na última Olimpíada. Em Paris 2024, haverá pela primeira vez competições de breaking dance.

Novos esportes e força do skate

E o objetivo do presidente da CBSK (Confederação Brasileira de Skate), Eduardo Musa, é mesmo transformar o skate no segundo esporte mais praticado no país. O projeto é semelhante ao que levou o vôlei, a partir dos anos 80, a essa condição, substituindo o basquete, que, nos anos 70, embalado pelo terceiro lugar no Mundial de 1978 e nos confrontos épicos entre Sírio e Francana, era o esporte mais popular após o futebol.

“Hoje ainda não somos o segundo esporte, mas nosso objetivo enquanto Confederação é que a modalidade alcance essa posição em alguns anos. Um dos pilares desse processo passa pela construção de pistas de qualidade no Brasil. Temos mantido diálogo com o poder público para indicar caminhos nesse sentido. Montamos um conselho com os principais construtores de pistas do país e temos também nossas entidades filiadas como aliadas nesse processo”, afirmou.

Os resultados na Olimpíada já começam a aparecer, conforme conta Musa.

“Nosso sucesso em Tóquio intensificou muito esse processo de crescente da modalidade no Brasil. Todos os dias a gente recebe notícia de que donos de pistas e escolas de skate estão com fila de espera de alunos, de crianças que querem iniciar a prática. Esperamos que essas crianças possam ter contato com a cultura e essência do skate como um todo, seja nas escolas de skate, nas skateshops ou nas boas pistas que já temos espalhadas pelo Brasil”, destacou.

Nos anos 80, o locutor Luciano do Valle e seu sócio Francisco Leal, na empresa Luqui, em parceria com a TV Bandeirantes e depois com a Record TV, iniciou um projeto de investimento em grandes jogos de vôlei, impulsionando a popularidade da seleção brasileira masculina, que realizou grandes jogos contra a União Soviética, um deles em pleno estádio do Maracanã.

Fortalecida, a seleção chegou à medalha de prata em Los Angeles 1984. Com o ouro em Barcelona 1992, o vôlei se consolidou como segundo esporte e nunca mais perdeu a posição.

A semelhança do skate com o projeto do vôlei está na busca de parcerias. No caso do skate, a base será o auxílio do poder público, para aperfeiçoar a outra ponta desta rede esportiva: o alto rendimento. Um complexo com mais de 3.100 m2 está sendo construído em Campinas (SP) e deverá estar pronto até o final de 2022, segundo a CBSK.

“Em paralelo, seguimos trabalhando para melhorar a estrutura do skate de alto desempenho. Um exemplo disso é o anúncio da construção do Centro Olímpico de Skate, uma grande conquista para o skate brasileiro que viabilizamos através de uma parceria com a Secretaria Especial do Esporte e a prefeitura de Campinas”, revelou Musa.

Os números mostram que o skate vem se massificando. Segundo o Estado de S. Paulo, a produção de bases de madeiras de skates, na fábrica Decks Brasil teve de dobrar, desde o início da pandemia, para atender a um aumento de 600% nas vendas pela internet. Com as medalhas a produção deverá crescer ainda mais.

Em vários locais do país estão sendo construídas pistas. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a prefeitura divulgou foram entregues 113 pistas, em parques, centros esportivos e praças.

A quantidade de interessados também aumentou. Em Florianópolis, a escola Hi Adventure teve um aumento de 100% na procura, passando de 50 para 100 alunos, com fila de espera. A Blunt Skate Park, em Belo Horizonte, também dobrou o número de alunos indo de 45 para 90. No Curitiba Skate Park, da capital paranaense, os praticantes triplicaram, passando de 20 para 60.

Maior divulgação

No rastro do vôlei, grandes resultados no automobilismo (Ayrton Senna), no tênis (Gustavo Kuerten), no MMA (Anderson Silva) e no surfe (Gabriel Medina) também levaram esses esportes multiplicarem seus praticantes no Brasil. As academias de ginástica e os corredores de rua também reinvindicam uma posição melhor nesse ranking. Não a ponto de se tornarem os segundos mais praticados, mas com muita relevância.

A questão é que, passado esse impulso, tempos depois grande parte desses esportes perde o fôlego, sem ter obtido a sequência necessária depois dos títulos. A evolução deles foi muito mais ligada ao talento individual de cada campeão do que a uma estrutura adequada para a prática desses esportes no país, conforme afirma a ex-tenista Patrícia Medrado.

Patrícia ilustra sua opinião trazendo como exemplo o seu próprio esporte, que não obteve o êxito esperado após o boom vivido na era Gustavo Kuerten, o Guga,

“O que falta no Brasil para a maior popularização do esporte, são quadras públicas é a população de baixa renda ter mais acesso. Para a prática de tênis, hoje tem de ser sócio do clube ou pagar e alugar uma quadra em academia, então isso dificulta muito estamos falando de classe média alta”, observou.

Ela completa também ressaltando a importância de as escolas incluírem o tênis entre suas disciplinas na Educação Física.

“É necessário pintar as quadras polesportivas que existem por aí, colocar as linhas do tênis, e desenvolver mais de uma maneira mais sistemática. E também se incluir o tênis na escola para que as crianças tenham acesso desde cedo”, diz Patrícia. “O esporte tem ir de encontro ao maior número de pessoas, de crianças, para que desde cedo elas desenvolvam o gosto por sua prática.”

Resultados do vôlei

Com o vôlei, a iniciativa deu certo. Os resultados vieram no alto rendimento e impulsionaram a prática do esporte entre os jovens. Um caminho de duas mãos.

Quem vivenciou o início de tudo, naqueles longínquos anos 80, foi Jaqueline Silva, a Jackie, levantadora da carismática seleção feminina da época, que depois, migrou para o vôlei de praia e foi campeã olímpica em Atlanta 1996.

O vôlei de praia, aliás, foi consequência daquela época gloriosa e ajuda até hoje ao vôlei como um toodo a se manter como o segundo esporte mais praticado. Jackie considera que essa posição não irá se alterar tão cedo. Se é que um dia irá.

“O vôlei continua sendo o segundo esporte, por tudo que ele representa, por todos os resultados, mesmo com as renovações, continua sempre subindo em pódios, sendo campeão… Para mim ele continua no lugar que sempre esteve”, disse.

A própria exigência em torno do esporte passou a dar a impressão de que, quando não vem o ouro olímpico, tudo está perdido. Mas não é bem assim, segundo Jackie.

“Lógico que esse ano, durante a Olimpíada, o vôlei em geral trouxe surpresas negativas, mas, ainda assim, foi medalha de prata no vôlei de quadra feminino, não podemos esquecer”, disse.

Para ela, a evolução de outros esportes não significa uma ameaça à hegemonia do vôlei. Não é esse o ponto. O importante, segundo Jackie, é o desenvolvimento como um todo, deixando de lado a questão de quem pratica mais qual esporte.

“Acho que tem espaço pra todo mundo, com certeza, até para o crescimento de outros esportes, como skate, MMA, e outros esportes em ascensão. Quanto mais gente praticando esportes, melhor para o Brasil”, completa.

Conforme conta o linguista Benjamin Veschi, as palavras esporte e porto têm uma mesma origem no latim, vindas do termo portare, que significa carregar uma coisa.

Depois, o francês incluiu um “de”, fazendo o termo deportarse, significar lazer e entretenimento. Ou seja, descarregar a carga (aquilo que se carrega, se porta) negativa. Desportes, então, passou a ser conhecido como Esportes. Em que, até na mais acirrada competição, o prazer tem de estar presente. Esporte, afinal, é a mais séria das brincadeiras.