No dia 5 de agosto, o jornalista Nilson Monteiro autografa Mugido de Trem no Museu Oscar Niemeyer – Pátio das Esculturas, em Curitiba, a partir das 19 horas. A narrativa (202 páginas) marca a estreia do autor na ficção. Monteiro publicou anteriormente livros de poesia (Simples), de crônica (Pequena casa de jornal e Curitiba vista por um pé vermelho), de reportagem (Itaipu, a luz e Ferroeste, um novo rumo para o Paraná), de biografia (Madeira de lei) e de história (Pedaços de muita vida – a história de 122 anos da Associação Comercial do Paraná).
Durante anos, o autor anunciou que estava produzindo esse que viria a ser o seu primeiro romance. E foi após ter o primeiro capítulo do livro veiculado nas páginas do Cândido, jornal literário mensal da Biblioteca Pública do Paraná, em janeiro deste ano, que Monteiro decidiu publicar Mugido de Trem. “Amigos, escritores, professores universitários e até leitores desconhecidos entraram em contato comentando, com elogios e críticas. Percebi que era o momento de soltar o livro no mundo”, diz o autor.
Mugido de Trem dialoga com o momento histórico, definido como fragmentado, pelo fato de ser dividido em 57 fragmentos – alguns brevíssimos, em uma única página, e outros que seguem por nove ou mais páginas. Cada capítulo funciona individualmente, o que faz com que o livro possa ser lido como uma coletânea de contos. São tramas de cidades pequenas, possivelmente do interior do São Paulo, de Minas ou do Paraná, onde o autor passou a maior parte de sua vida. Há relatos sobre conflito familiar, descoberta amorosa, perda da inocência, flerte com a tomada de posição política que a vida adulta exige, entre outras questões.
No entanto, na medida em que percorre obra, o leitor também encontra conexões entre um e outro capítulo, o que aponta para outras possibilidades. Mugido de Trem dialoga com a estrutura d’O jogo da amarelinha (1963), do escritor Julio Cortázar (1914-1984) – livro que permite leitura de maneira aleatória, inclusive pulando capítulos. Mas, então, Mugido de Trem se revela – também – romance que viabiliza a leitura linear, do primeiro ao último capítulo – ou da primeira à 57.ª estação.
Os personagens que aparecem, e desaparecem do enredo, talvez tenham sido (ou não) elaborados a partir da experiência real do autor. Na obra literária de Monteiro eles funcionam como elementos que compõem o painel de um mundo perdido. São habitantes de vilarejos onde há brigas de galo, geadas que devastam plantações e, principalmente, laços entre os moradores – algo que este mundo de 2013 parece não comportar mais. As ilustrações de Fabiano Vianna dialogam com os traços de PotyLazzarotto e insinuam cenários que o narrador faz o leitor imaginar a partir das palavras – a exemplo do que se lê no início do capítulo 9: “Pelos quintais, cacos de caminhões, carroças e tratores desbotados, a tinta comida. Nas esquinas cobertas de pó, algumas de paralelepípedos, uma camada morna de lembranças. Pousa o gosto da goiaba, de lambari e infância, sopra um fio de apito noturno”.
Apesar dessa indução a sensações às vezes suaves, criada a partir de um texto lapidado palavra após palavra, e talvez justamente devido a esse cuidado, o livro provoca entre outros efeitos algo que o escritor Roberto Gomes aponta no prefácio: a visceralidade – ou, dito de outra maneira, pancadas (“guascadas, balaços, murros”). “Cheio de farpas e de caninos. [Mugido de Trem] perturba: não é fácil seguir o caleidoscópio sem fim, endoidecido, a girar sem descanso até o final.” Mugido de Trem é um livro perturbador por problematizar assuntos como fé, poder, amor, rancor, vício, infância, perdas irreparáveis, entre outros fantasmas – em capítulo seguido de capítulo, de maneira direta, explosiva e que vai marcar profundamente o imaginário de quem atravessar as 202 páginas que revisitam com dicção aguda a segunda metade do século 20 da vida brasileira e, principalmente, o ser humano.
Um projeto literário, enfim, inesquecível – comovente.
))) Márcio Renato dos Santos