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terça-feira, 26, novembro 2024
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Turismo busca retomada neste ano, mas ainda depende de fronteiras

Um desejo em comum para quem, podendo trabalhar em esquema de home office, se manteve recluso na pandemia e agora começa a ver no horizonte a expectativa de imunização coletiva é a possibilidade de voltar a viajar.

Mais do que índices de controle da pandemia, que o país está longe de assegurar, a esperança é alimentada pelas previsões mais firmes de vacinação. A promessa de governadores é que a população adulta tenha recebido a primeira dose até agosto ou setembro. Assim, em dezembro esse contingente poderia estar suficientemente imunizado contra a Covid-19. Para quem já tem data marcada para a segunda ida ao posto de saúde, os planos de viagens já começaram.

A perspectiva é um alívio especialmente para o transporte aéreo regular e para a cadeia de turismo, abalados pela crise sanitária e interdependentes entre si. Os setores correm para recuperar, mês a mês, o estrago do ano passado e o encolhimento das receitas nos momentos de colapso dos sistemas de saúde.

A enorme queda na compra de passagens do ano passado começou a ser revertida no segundo semestre, voltando a cair com a nova onda de casos no país em abril. Em maio deste ano, o número de passageiros em voos domésticos foi apenas a metade do observado no mesmo mês antes da pandemia, em 2019. Ainda assim, o cenário é considerado de recuperação, já que, em comparação com maio do ano passado, há sete vezes mais pessoas viajando agora, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Com a queda de medidas restritivas mais severas, consumidores foram voltando a viajar. Porém, assim como a demanda, o número de cidades atendidas por voos regulares não retornaram ao patamar antigo. O mês de junho foi o primeiro deste ano com mais da metade das decolagens de antes da crise, calcula a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear). Algumas companhias já voltaram a atender o mesmo número de destinos nacionais, mas com menos rotas.

Da parte delas, a expectativa é ter em dezembro patamar de decolagens rumo a cidades brasileiras semelhante ao mesmo mês de 2019. O desafio é que a reconquista deve ser por meio de viagens a lazer. Em certa medida, o trabalho remoto foi capaz de substituir parte das viagens de negócio, então esse processo de retomada deve ser mais lento do que o das férias.

Nessa frente, a Gol deve explorar cidades brasileiras que não conseguia atender fortemente e que tem potencial turístico a ser testado. Vai neste sentido a compra da Map, empresa antes pertencente à Voepass e que tem rotas para destinos regionais do Norte e também partindo do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. A compra, no valor de R$ 28 milhões em dinheiro e ações, além de compromissos financeiros assumidos, depende de aprovação do Cade e da Anac.

“Esta aquisição é um passo importante da nossa estratégia de expansão de malha e capacidade, à medida em que buscamos revitalizar a demanda por viagens aéreas de lazer e a negócios. Assim, investimos no mercado de transporte aéreo regional com destaque para a região Amazônica”, declarou o CEO Paulo Kakinoff no anúncio. As aeronaves de 70 passageiros seriam substituídas por veículos mais robustos, aumentando a disponibilidade de assentos.

Para a Latam, que em junho estava com 37% menos voos do que no mesmo mês antes da pandemia, a expectativa é voltar ao patamar anterior à crise no mercado doméstico ainda neste ano. Apesar do otimismo com o contexto local, o reaquecimento das viagens internacionais é crucial para as aéreas, já que só assim haveria retomada de receita em dólar. “Tentamos recuperar onde é possível, mas apenas o mercado doméstico não proporciona isso. Por isso, estamos planejando roteiros viáveis de concretizar em pouco tempo”, diz Diogo Elias, diretor de vendas e marketing da Latam.

A companhia iniciou em junho voos diretos entre o Aeroporto de Guarulhos e Cancún, no México, aproveitando a busca dos brasileiros por rotas abertas e também pela possibilidade de fazer quarentena no local antes de embarcar para os Estados Unidos. A tentativa é aumentar a demanda e voar com capacidade máxima, ao colocar em ação roteiros viáveis para ainda este ano e, por fim, aproveitar a ansiedade do brasileiro por voltar a viajar.

E a euforia após a vacina é aguardada como ingrediente definidor para esse processo. “Há o elemento emocional muito forte. Em outros momentos da história, como após a Segunda Guerra Mundial ou as pandemias de gripe em décadas passadas, o que se viu é que as pessoas têm tendência a voltar rapidamente para o que perderam. Há um renascimento cultural”, aponta Jaqueline Gil, pesquisadora do Laboratório de Estudos de Turismo e Sustentabilidade, da Universidade de Brasília.

Essa tendência ajuda a explicar porque viajar se tornou pessoalmente mais importante após a chegada da pandemia para 63% dos brasileiros ouvidos em pesquisa realizada ainda em janeiro passado com cerca de 28 mil entrevistados de 28 países. O levantamento foi  encomendado pela plataforma de viagens Booking.com para entender as expectativas de viajantes e do ramo hoteleiro para este ano.

Entre as nacionalidades dos entrevistados, os brasileiros aparecem em terceiro lugar entre os que mais sonham em viajar. Além disso, três em cada quatro deles disseram ter esperanças em viajar neste ano; o número é superior ao encontrado no Reino Unido, que começou seu programa de vacinação ainda no início de dezembro e foi um dos territórios a atingir grau elevado de doses mais rapidamente.

Hoje, quase 70% dos britânicos adultos receberam duas doses de algum imunizante e as restrições internas, incluindo uso de máscaras e distanciamento social, caíram nesta segunda-feira (19/7). Ainda assim, a chegada do verão europeu deve ser de turismo doméstico, diferentemente do que acontecia no passado. Isso diante das restrições aos viajantes, mesmo para moradores.

Destinos populares para os britânicos, como Espanha, Grécia, Itália e Portugal estão classificados como sinal amarelo no sistema de trânsito usado para indicar o nível de precauções para cada origem. Nesse caso, turistas que retornam às ilhas precisam passar dez dias em quarentena e cumprir três testes negativos de Covid-19. Com sinal verde, seriam duas testagens, mesmo para os totalmente vacinados.

Associações que representam o setor turístico e companhias aéreas pleiteiam que pessoas completamente vacinadas possam viajar e não fazer quarentena no retorno. Só assim seria possível aproveitar o momento crucial do verão no hemisfério norte para reaver perdas e evitar mais prejuízos, argumentam. Do lado do governo, a maior preocupação é que a circulação de novas variantes desencadeie outros picos de contágio – assumindo que as vacinas não são capazes de neutralizar toda a transmissão.

Na União Europeia, está sendo introduzida uma espécie de identidade de imunidade, em que os cidadãos dos países do bloco (além de outros quatro europeus) que estiverem vacinados são verificados e autorizados a transitar. O modelo começou a ser usado primeiro na Alemanha e deve se tornar onipresente na região, porém as vacinas aceitas variam para cada país. A ferramenta não é válida para viajantes de países com acesso restrito, como é o caso do Brasil.

Assim, a perspectiva de vacinação individual como condição para viajar para inúmeros destinos dificilmente deve se confirmar no curto prazo, sobretudo em países menos dependentes da economia do turismo. Mesmo com atestado de imunidade, alguns países podem avaliar não ser prudente receber turistas vindos de locais onde com a pandemia continua descontrolada, com risco de desenvolver novas variantes.

Por outro lado, há também a preocupação inversa: a pesquisa da Booking.com sobre expectativas dos viajantes indicou que quase 70% dos respondentes brasileiros não iria a países que não implementaram seus próprios programas de combate à pandemia. É provável que o maior receio seja se infectar no local. Mais do que em ambientes controlados, como aviões.

Nas aeronaves, o ar da cabine é renovado a cada três minutos, com fluxo que vem de fora do avião e passa por um sistema de filtragem capaz de reter vírus. De acordo com artigo publicado ainda em outubro passado na revista científica Journal of the American Medical Association, o sistema garante um risco baixo de contrair Covid-19 nesse espaço, porque há contato com o ar apenas de pessoas próximas, e não de todo o espaço – o que acontece em uma sala fechada, por exemplo.

Desde o início da crise, as empresas aéreas ajustaram algumas de suas práticas, de modo a mitigar o contato entre passageiros. Além de simplificar serviço de bordo, o embarque e o desembarque passaram a ser feito por fileiras. “Não sabemos até quando usaremos máscaras, mas algumas mudanças devem continuar, como a saída com menos tumulto”, diz Elias, da Latam.

As empresas brasileiras não restringiram a ocupação das aeronaves e preferiram apostar mais na obrigatoriedade das máscaras. Esse tipo de alteração não foi indicada pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) para seus membros, por considerar a medida inviável do ponto de vista da saúde financeira das empresas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em nota técnica com orientações sobre o setor, publicada em outubro e ainda vigente, não estabeleceu a limitação.

Atualmente, o setor estima que as aeronaves têm viajado com ocupação de 75% da capacidade em média. “A ocupação começou muito baixa e foi subindo. Não restringimos o número de bilhetes a serem vendidos desde que as referências técnicas mostraram que não é necessário. E os procedimentos têm avançado”, disse Eduardo Sanovicz, presidente da Abear, ao falar sobre os protocolos do transporte aéreo regular à comissão de enfrentamento à pandemia na Câmara dos Deputados no fim de junho.

Atravessando fronteiras

Muito provavelmente o mercado doméstico continuará a ser a boia de salvação para passageiros sedentos por aproveitar as férias fora de casa e também para as empresas. A outra alternativa é explorar as rotas possíveis – várias delas eram também pouco demandadas antes da pandemia, com um mundo de possibilidades.

Há hoje 114 países abertos para brasileiros, com algum nível de restrição, como testes negativos, vacina e quarentena obrigatória, segundo guia organizado pela plataforma de planejamento de viagem Kayak. Desses, cerca de 20 são viáveis para viagem a lazer, isto é, têm voos saindo do Brasil e controle sanitário possível de encaixar em uma estadia curta.

Anteriormente mais concentrados em rotas turísticas tradicionais, como as europeias, brasileiros de alta renda estão investindo em novos destinos. Com pandemia controlada e restrições moderadas, pautadas pela testagem, além de voos diários diretos operados pela Qatar Airlines, Dubai se tornou um foco dos viajantes sofisticados. A cidade dos Emirados Árabes também é rota para outros destinos de luxo disponíveis, como as Ilhas Maldivas, no Oceano Índico.

Desde o ano passado, o local criou esquema de realizar testes PCR antes do embarque e em diferentes momentos da estadia, reduzindo o tempo de quarentena. “O que transmite segurança é saber que as companhias aéreas, hotéis e agentes de viagem estão seguindo protocolos de forma bastante rígida. Somado ao conforto, o país se tornou popular”, afirma Roberto Haro Nedelciu, presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa). Com o aumento da procura por viajantes vacinados, eles esperam que a virada se dê no segundo trimestre de 2022 – antes, esperava para o fim desse ano.

Assim como as Maldivas, grande parte dos destinos com esse nível de flexibilidade tem a economia dependente do turismo. Em alguns locais, é esperado que a vacina seja oferecida livremente para turistas, como tem acontecido nos Estados Unidos. No Caribe, Cuba foi o primeiro país a oferecer vacina para estrangeiros, como forma de atrair recursos. Atualmente, a população está sendo imunizada com a vacina cubana Adbala, que chegou à última fase de testes e, segundo os cientistas locais, apresentou taxa de eficácia de 92% após três doses.

Terceiro menor Estado europeu, encravado no meio da Itália, San Marino aqueceu o turismo local com um programa de vacinação com a russa Sputnik V. Desde maio, ao fazer reserva em um hotel do país, é possível pagar também pelas doses. Moradores italianos, que poderiam dar uma escapada até o local sem estadia, ficaram de fora da iniciativa. Como o imunizante não foi autorizado pelas autoridades sanitárias da União Europeia, o esquema tem atraído moradores do Leste Europeu.

Mais factível para quem está em outro continente, a Suíça anunciou a queda de medidas rígidas para viajantes, incluindo brasileiros. Agora, mesmo quem vem de regiões de risco, onde há alta incidência de variantes, não precisa fazer quarentena se apresentar PCR negativo ou estiver vacinado. O país teve uma redução expressiva de casos e aceita imunizantes já chancelados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – isto é, todos os administrados no Brasil, com exceção da Sputnik V, que alguns estados vão aplicar em pequena escala.

Ainda que a vacinação seja fator preponderante, há ainda outras questões que precisarão ser enfrentadas e que colocam em dúvida a retomada a níveis do mundo de antes. É o caso da depreciação do real frente ao dólar, além da perda de poder de compra da classe média por causa da inflação. A moeda para turismo está acima dos R$ 5 há mais de um ano e a esperança é de que, com aumento de juros nacionais, ela comece a declinar.

Por outro lado, há o fator de a pandemia ter afetado globalmente o turismo, por isso há um esforço generalizado de recuperação, com oferta de melhores condições e preços mais baixos. “Espero a volta de um mercado internacional forte, porque já tem ficado clara a disposição do setor. Além disso, o mercado brasileiro não explora tantas opções de produto para consumidores exigentes”, explica Nedelciu, da Braztoa. Para quem atravessa o segundo ano de uma crise sanitária sem precedentes, seria uma boa notícia.